23 de agosto de 2016
A reforma da Previdência que está sendo desenhada pela equipe econômica do governo interino de Michel Temer (PMDB) foi duramente criticada na tarde de ontem (22), primeiro dia do “4º Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde: acidentes, adoecimentos e sofrimentos do mundo do trabalho”, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, na capital paulista. Realizado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), o evento vai até a próxima sexta-feira (26).
Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp, Eduardo Fagnani atacou a política macroeconômica do governo interino de Michel Temer (PMDB-SP), que ele chama de “impeachment do processo civilizatório”, pautada na austeridade fracassada na Europa, com redução de direitos sociais e trabalhistas e privatização das poucas empresas públicas que sobraram. “Uma receita que o próprio FMI condena por não reduzir as desigualdades. Não dá para aceitar a tese ou consenso de que sem acabar com a Constituição não se faz ajuste”, disse.
De acordo com Fagnani, as desigualdades sociais forjadas pelos 300 anos de escravidão, pelo atraso de anos de democracia interrompida e agravadas pela reforma neoliberal de FHC, que atacou a Constituição, tornam o projeto de reforma previdenciária de Temer ainda mais perverso, injusto e cheio de distorções.
“Querem que todo mundo se aposente com mais de 65 anos de idade, com mais de 35 anos de contribuição, o que não existe em nenhum lugar do mundo. Não dá para ter o mesmo padrão de países feito a Dinamarca, onde as condições de vida são muito melhores para toda a população, que vive em média 8 anos a mais que os brasileiros. No Brasil, a maioria da população começa a trabalhar cedo, sem estudo, para ajudar a família, em empregos de baixa qualidade. Não tem as mesmas condições de vida e de saúde da classe média, que ingressa mais tarde no mercado de trabalho, em postos mais elevados, com melhores salários”, disse.
O professor da Unicamp criticou também a proposta do governo interino de acabar com as regras diferenciadas para os trabalhadores rurais e urbanos e com a correção com base na variação do salário mínimo. “A maior parte da pobreza do país está na zona rural do nordeste brasileiro, onde há cinco estados que a população vive em média 69 anos. É grande a desigualdade. Como podemos aceitar? É verdade que em alguns anos a maior parcela da população será idosa, mas não podemos aceitar o fatalismo demográfico. Existem alternativas para viabilizar aposentadorias. Com tantos ataques (pelo governo Temer), o Brasil tende a retroceder 100 anos, indo para uma época anterior à da criação da CLT.”
No seu entender, a Previdência carece de aperfeiçoamento, como buscam as reformas previdenciárias em outros países. “É normal que se faça reforma da Previdência, com mudanças para aperfeiçoamento, mas não uma reforma como pretende o governo Temer, que destrua o sistema que representa proteção para pelo menos 160 milhões de pessoas. O que está em disputa aqui é capturar um orçamento que corresponde a 8% do PIB”, destacou.
Ele mencionou alternativas como a criação de um fundo a partir de recursos do petróleo, como foi feito na Noruega, e ressaltou a necessidade de reforma tributária com o fim de isenções fiscais e o combate à sonegação de impostos. “No Brasil são mais de 60 setores isentos de contribuição, como igrejas e clubes, o que representa 25% de tudo que a União recebe. Em termos de sonegação de impostos, só perdemos para a Rússia”, afirmou, lembrando distorções tributárias que cobram imposto de renda sobre o salário dos trabalhadores mas isentam proprietários de iates –, bem como o combate à sonegação.
Fagnani participou de debate mediado pelo jornalista Luís Nassif, que discutiu ameaças à seguridade social. A mesa contou com a presença do advogado especialista em previdência e assessor sindical Antonio José Arruda Rebouças.
Sem desprezar a desigualdade de forças na disputa que envolve a reforma previdenciária, Rebouças destacou que a desvantagem dos trabalhadores deve ser enfrentada com maior presença dos sindicatos. “Ao contrário dos patrões, os sindicatos não vão às cortes supremas da Justiça e nem à imprensa. É preciso ir às ruas, às redes sociais e denunciar à população. Sem informação, a população não vai ter consciência dos fatos”, disse.
O advogado destacou ainda ataques já em curso na Previdência, como o cada vez mais comum cancelamento de benefícios para trabalhadores.
Por Cida de Oliveira – RBA
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