22 de agosto de 2022
Pedro Biondi e Antonio Biondi
O Joio e o Trigo
Enquanto o Projeto de Lei nº 1.459/2022, o PL do Veneno, avança em ritmo acelerado no Senado, há um Brasil que diz “não” aos agrotóxicos. Um levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas para o projeto Brasil sem Veneno — realizado em parceria com O Joio e O Trigo — identificou 33 leis criadas na última década contra o uso de agrotóxicos. Outros 19 projetos encontram-se em análise. Dois foram total ou parcialmente vetados. São peças legislativas e propostas que vedam, restringem ou buscam tornar mais racional o uso desses produtos nos âmbitos federal, estadual e municipal.
A pesquisa identificou outras sete iniciativas de discussão na esfera legislativa, incluindo audiências públicas contra o PL do Veneno, apresentação de estudos e lançamento de guias, como a cartilha “Como Criar um Projeto de Lei Estadual ou Municipal para Reduzir os Agrotóxicos?“, elaborada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela ONG Terra de Direitos.
Os dados compõem o Mapa de Iniciativas de Resistência aos Agrotóxicos, lançado na última quinta-feira (04). Ao todo, são 542 ações realizadas por indivíduos, grupos e organizações, rurais e urbanos, que têm como eixo central o combate ao uso abusivo de venenos agrícolas e a denúncia de seus impactos sobre o ambiente e a população. O mapa está aberto às sugestões de leitores.
Na caixa de seleção, é possível selecionar entre movimentos sociais e organizações civis, iniciativas legislativas, educativas, acadêmicas e de comunicação. Ao dar zoom, o leitor pode visualizar as iniciativas locais. Um segundo mapa mostra as ações de âmbito estadual e nacional. Organizado como uma base de dados aberta, o mapa será atualizado constantemente para incluir outros grupos que atuem em todo o país. Caso queira enviar uma contribuição, acesse o formulário aqui.
O Mapa das Iniciativas de Resistência ao Uso de Arotóxicos integra o projeto Brasil Sem Veneno, uma iniciativa conjunta entre as equipes editoriais do De Olho nos Ruralistas e de O Joio e O Trigo. A primeira etapa da cobertura trouxe um mapa exclusivo sobre os impactos do uso de agrotóxicos na saúde humana: “Contato com agrotóxicos pode levar a dano do DNA, causar câncer, problemas renais e doenças no sangue“. Também foram publicadas reportagens sobre a perseguição sofrida por pesquisadores que trabalham com o tema a partir de uma perspectiva crítica aos venenos: “Quando estudar agrotóxicos vira caso de perseguição“.
O projeto Brasil Sem Veneno identificou oito propostas legislativas de âmbito federal que visam reduzir ou regular o uso de agrotóxicos no país. A proposição em estágio mais avançado é a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pnara) — PL nº 6.670/2016 —, que prevê a redução, gradual e contínua, da disponibilidade, acesso e uso aos pesticidas no Brasil, ampliando, por outro lado, a disponibilidade e uso de produtos de origem biológica sem perigo e risco para a saúde e o ambiente.
A Pnara tem origem em um projeto de iniciativa popular, encaminhado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) à Comissão de Legislação Participativa da Câmara em dezembro de 2016, que previa a retomada dos princípios que nortearam a criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) — engavetado em 2014 pela então ministra da Agricultura, Kátia Abreu.
Aprovada em dezembro de 2018 na comissão especial criada para sua análise, a Pnara aguarda leitura em plenário há três anos e meio. Enquanto isso, propostas que flexibilizam o uso de pesticidas vêm ganhando força.
Relator da proposta, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) lembra que o PL chegou a ser apensado — isto é, anexado — ao PL do Veneno, seu oposto completo. “Fizemos uma pressão muito grande na época, sobre o Rodrigo Maia, presidente da Câmara, para que tivesse um trâmite separado e conseguimos criar uma outra comissão especial para discuti-lo”, relembra. “Eles conseguiram aprovar o da flexibilização de legislação, esse do agrotóxico. E nós conseguimos aprovar o relatório nosso. Mas o deles avançou pela composição da Câmara”.
Tatto explica que o PL 6.670 propõe repensar o modelo de aprovação de venenos agrícolas como um todo, buscando viabilizar alternativas aos agroquímicos, da produção à disseminação de informação, passando por educação e financiamento. Ele critica ainda o fato de que hoje os agrotóxicos recebem muito mais subsídios que as atividades de pesquisa e desenvolvimento para produtos biológicos menos agressivos: “Você tem o lobby muito forte das empresas que produzem os agrotóxicos, com uma influência muito grande, mas você também tem o lobby de um outro setor da bancada ruralista, o das organizações que representam os setores produtivos – milho, soja, café, algodão e assim por diante. Que exercem uma pressão muito grande em torno do custo de produção da própria agricultura, de como o preço dos tóxicos impacta os custos de toda a produção agrícola”.
Apesar da correlação de forças desfavorável, Tatto afirma que a resistência no Congresso seguirá. “Tem uma negativa [da Mesa Diretora] de analisar o projeto nas comissões de Meio Ambiente e de Direitos Humanos”, pontua. “Como entrou no recesso nós vamos continuar a batalha, de forma articulada com todos os movimentos e entidades, em especial da Campanha Contra os Agrotóxicos, para ver se ainda conseguimos fazer com que tenha um debate maior”. Um dos focos da pressão é pela remarcação de uma audiência pública cancelada em função da pandemia.
A discussão sobre a Pnara em Brasília inspirou iniciativas de alcance estadual em Goiás, Paraná e São Paulo. Há, ainda, propostas de caráter municipal, como o PL 466/2021, que tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro (RJ), assinada por 22 vereadores cariocas de vários partidos.
Outra linha de resistência no campo das leis está na criação de Políticas Estaduais de Produção Agroecológica e Orgânica (Peapos). Espírito Santo, Paraíba e Pernambuco são exemplos de estados que, desde 2021, sancionaram projetos do gênero. No caso pernambucano, a aprovação se deu em janeiro de 2022.
A discussão que mais se espraiou no âmbito local foi a proibição da pulverização aérea. Em março de 2020, quando entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o direito das prefeituras de legislar sobre pulverização aérea, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) listou quinze leis; a mais antiga, de Abelardo Luz (SC), data de 2001. Dessas, doze continuam ativas.
Isso ocorre porque algumas das iniciativas foram derrubadas após mudanças de governo ou de legislatura. Em contrapartida, mais municípios implementaram ou estão analisando legislações similares. Os embates incluem vetos de prefeitos a PLs aprovados por unanimidade e até a derrubada de vetos pelos vereadores.
A investida no STF não foi a primeira da CNA. A confederação, que integra a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), pediu em 2020 que a corte declarasse inconstitucional a Lei Zé Maria do Tomé (Lei 16.820, de 2019), do Ceará. As resistências contra as investidas jurídicas do agronegócio no estado nordestino são tema da próxima reportagem da série Brasil Sem Veneno.
De Florianópolis, emerge outra referência de resistência legislativa aos agrotóxicos: a Lei 10.628/2019 estabeleceu a Ilha de Santa Catarina — correspondente a 97% da área territorial do município — como a primeira zona livre de agrotóxicos do Brasil, proibindo tanto o uso como o armazenamento de produtos agroquímicos na região.
Resultado de projeto de lei do vereador Marquito (PSOL-SC), a lei também cria uma série de medidas para estimular a agricultura orgânica e a agroecologia. “A proposta surgiu no Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos”, conta o legislador. “Ali elencamos algumas características importantes para garantir territórios livres [de agrotóxicos], como a preservação ambiental e da biodiversidade, e as comunidades e povos tradicionais. Tem uma parte do texto que incentiva o desenvolvimento de tecnologias para agricultura que não sejam tóxicas. Outra parte visa garantir o processo pedagógico e educativo sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente”.
O projeto de lei foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal e recebeu sanção imediata do prefeito Gean Loureiro, então no MDB — numa gestão da qual Marquito era oposição. Após a aprovação, no entanto, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), filiada à CNA, criticou duramente o projeto, que qualificou como inconstitucional. Sugeriu, ainda, ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-SC) que investigasse Marquito — que é engenheiro agrônomo — por um possível desvio ético com relação aos agrotóxicos. Os questionamentos não prosperaram.
No estado, outra proposição no rumo de uma agricultura mais sustentável foi alvo de ataques. O Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos formulou a proposta de uma “taxação verde” a produtos agroquímicos, com faixas decrescentes de acordo com a toxicidade dos produtos. A ideia ia no rumo oposto à do Convênio ICMS 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduz a tributação pelo ICMS de insumos agrícolas, inclusive agrotóxicos. O governador Carlos Moisés (Republicanos) apresentou o projeto à Assembleia Legislativa.
“A Faesc e cooperativas reagiram e encheram a Assembleia Legislativa de agricultores familiares defendendo a isenção dos agrotóxicos”, lembra Marquito. “Isso custou caro ao governador e o desgastou muito. Colocaram 4 mil agricultores [na Alesc] para defender os agrotóxicos, uma loucura. Não teve um deputado que se levantou e tentou fazer o debate com qualidade. Todo mundo recuado, até do nosso campo, da esquerda”. Segundo o vereador, esse enfrentamento desgastou o debate sobre justiça tributária no estado.
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