30 de maio de 2023
Thiago Lima e Atos Dias
Latinoamérica 21
O governo brasileiro propôs a realização de uma Cúpula Amazônica em agosto de 2023, em Belém, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) . O objetivo é reunir Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela para discutir ações gerais relacionadas à floresta tropical e, em particular, à questão ambiental. A Cúpula da Amazônia poderá ser o primeiro encontro internacional em que Lula, como anfitrião, proporá os marcos gerais para o debate ambiental. Se ele quiser ser coerente com a posição que defendeu na COP27, seu governo deve vincular o combate à fome à questão climática. No entanto, é importante que o Brasil coloque a agroecologia em primeiro plano, assunto ausente em seu discurso na COP27, a mais importante reunião climática da qual Lula participou desde que venceu as eleições no ano passado.
Na COP 27, o governo do então presidente Bolsonaro foi representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Em seu discurso, ele reconheceu que o país tem desafios climáticos, inclusive em relação ao desmatamento ilegal na Amazônia. No entanto, o ministro criticou “governos anteriores” que “só agiram para multar, reduzir e culpar” e defendeu uma política ambiental rentável para “empresas, pessoas e natureza”. A exploração da natureza para fins econômicos foi, portanto, um tema central em seu discurso na COP 27.
Essa posição deve ser interpretada no contexto do governo de Jair Bolsonaro, que se caracterizou por fechar os olhos – para dizer o mínimo – às atividades econômicas ilegais de exploração da Amazônia, inclusive em reservas indígenas protegidas, com destaque para o garimpo ilegal e o avanço desordenado do agronegócio. Diante dos recordes de devastação da área florestal, o país se afastou dos compromissos firmados na COP 26 em Glasgow.
A participação de Lula na COP 27 foi possível graças a um convite direto do presidente egípcio, Abdel Fatah Al-Sisi. Em seu discurso, Lula destacou a importância de um esforço conjunto, no campo da governança global, para cumprir os acordos já firmados para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. O presidente eleito afirmou que “os acordos já firmados precisam se concretizar” e destacou a agenda de criação de um fundo de financiamento para os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, para “enfrentar as consequências de um problema criado em grande parte por os países mais ricos, mas que afeta desproporcionalmente os mais vulneráveis”.
Lula também enfatizou a questão da fome, destacando que o país precisa “se reconectar com o mundo e ajudar novamente a combater a fome”. Além disso, Lula defendeu a criação de uma aliança global pela segurança alimentar “pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática”. Por fim, argumentou que é possível aumentar a produção agrícola sem desmatamento e ainda destacou a importância de práticas agrícolas mais sustentáveis, referindo-se à agrofloresta e ao conhecimento agrícola dos povos nativos e comunidades locais.
A fala de Lula, além de abordar claramente o problema da fome, tratou a questão alimentar de forma relacionada à agenda climática. Ou seja, reconheceu-se que a produção agrícola também estava entre as causas das mudanças climáticas e que seria preciso buscar uma “agricultura regenerativa e sustentável”. Embora não tenha sido um discurso oficial de um chefe de Estado, a mensagem de Lula se aproximou da agenda mais ampla proposta pelo grupo Koronivia e pela Organização Mundial da Saúde na COP27. Era uma indicação de que Lula, como presidente, poderia ser protagonista na tentativa de fortalecer as interseções agropecuária e alimentar nas discussões sobre mudanças climáticas.
No entanto, é fundamental notar que Lula trouxe os termos “agricultura regenerativa e sustentável” em seu discurso e não mencionou termos como agroecologia, sistemas alimentares e soberania alimentar. Essas presenças e ausências são relevantes à luz das disputas de princípios sobre as melhores soluções para enfrentar os desafios inerentes ao nexo entre produção de alimentos, fome e clima.
Segundo o relatório do IPES Food , termos como “agricultura regenerativa” e “soluções baseadas na natureza”, que operam no paradigma da sustentabilidade, estão ligados a interesses corporativos e, eventualmente, a práticas de “greenwashing corporativo”. Em outros termos, nas arenas de negociações internacionais, há uma tensão entre esses termos e, principalmente, a agroecologia, que parece prevalecer sobre os demais.
O mesmo relatório observou que “a agroecologia se concentra nos sistemas humanos e naturais. Sua busca pela restauração ambiental e sustentabilidade é inseparável da busca pela inclusão social, equidade ou justiça.” Em contraste, “as definições de agricultura regenerativa e soluções baseadas na natureza tendem a ser mais restritas em escopo, referindo-se principalmente a sistemas naturais e práticas técnicas, enfatizando a restauração ambiental, preservação e sustentabilidade de maneiras que minimizam as dimensões humanas e as relações sociotécnicas”.
Ainda que o discurso do presidente eleito na COP 27 tenha aspectos animadores em relação ao discurso oficial de Bolsonaro, será preciso monitorar se essa orientação do governo Lula manterá, na prática, o vínculo conceitual entre o combate à fome e a preservação ambiental. A Cúpula da Amazônia pode ser o primeiro encontro importante em que o Brasil, como anfitrião, pode oferecer essa conexão como ponto de partida fundamental para as negociações.
Além disso, para que a agroecologia se fortaleça como princípio fundamental das políticas públicas e dos acordos de cooperação, ela deve ganhar relevância na agenda ambiental internacional. E o Amazon Summit é uma oportunidade privilegiada para isso. De fato, o atual governo vem revertendo o desdém do governo Bolsonaro pela agroecologia e pelos agricultores e, especificamente, tem reativado políticas e previsto mais orçamento para a agroecologia. O governo precisa dar maior relevância a esse tema em sua política externa.
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