25 de abril de 2018
Era uma vez.
Um prefeito de uma cidade interiorana, de um país chamado Brasil, que foi acusado de favorecer uma empresa que prestava serviços à prefeitura.
O prefeito, ao que dizem, gostava de cavalos para participar de rodeios, populares na região.
Então assim tudo se sucedeu.
A polícia acusou o prefeito de nomear o secretário de obras e o secretário de obras teria favorecido uma certa empresa (naquele lugar chamavam empresa de “firma”) e esta firma teria dado de presente um cavalo de raça ao prefeito por este favorecimento.
O promotor acreditou na história e a acusação chegou ao juiz da comarca, um juiz que diziam ser durão e este condenou o prefeito e o enfiou ele no fundo de uma cadeia isolada.
Parte do povo aplaudiu, parte apoiou o prefeito e grande parte ficou olhando de longe achando aquilo tudo muito estranho.
Alguém resolveu ler a lei que vigorava naquela região. Dizia na lei que o prefeito deveria ter agido diretamente no favorecimento da firma que ganhou o serviço. Mas quem assinou tudo foi só o secretário de obras.
“Ah, mas o prefeito devia saber”, disse a polícia, disse o promotor e disse o juiz e assim o prefeito foi condenado.
“Ato de ofício”, dizia a lei. Ato de ofício é quando um administrador público toma uma decisão e assina, assumindo pessoalmente a responsabilidade por aquela decisão.
“Foi um ato de ofício indeterminado” escreveram o promotor e escreveu o juiz, foi porque nomeou o secretário que em seu nome fez a sujeira.
“E se o secretário fez por conta? E se enganou e traiu o prefeito?”
“Azar, vai preso igual. Ninguém mandou nomear”.
“Mas não é isto que diz a lei”.
“É. Mas tem o cavalo. Ele recebeu o cavalo de raça. Está provado por várias testemunhas, inclusive pelo dono da firma que diz que levou o cavalo pessoalmente ao prefeito e que o cavalo custou bem caro. É um puro sangue inglês. E ainda com vários luxos junto”.
O prefeito falou, jurou, esperneou, disse que não recebeu cavalo de raça nenhum, que só tinha comprado um cavalo comum, à prestação, mas quando foram entregar era um pangaré* velho e ele não quis receber e exigiu o dinheiro de volta, que estavam mentindo para prejudicar ele, porque era favorito nas próximas eleições para prefeito, etc, etc, e tal.
Pediu para que fossem ver o pangaré velho e confirmar o que estava dizendo.
O juiz proibiu. Não era preciso olhar o cavalo. O que está dito é verdade e não precisa ver mais nada. Até nota fiscal o dono da firma mostrou, da compra do puro sangue, da sela de luxo, do lugar onde o bicho é banhado, da cocheira de luxo, ladrilhada, onde o puro sangue dorme e é tratado. Tudo provado. Não precisa mais nada.
E o prefeito foi condenado.
O prefeito pediu e implorou que outros juízes, de outra cidade, olhassem aquele caso e corrigissem aquela injustiça.
Não adiantou. Disseram os juízes da outra cidade: “está provado, está aqui a nomeação do secretário, está aqui a confissão do dono da firma e estão aqui as notas de compra do cavalo e seus luxos”.
Carimbaram: CONDENADO. E mandaram o prefeito para a cadeia, isolado, longe do povo. A rádio da cidade noticiou: “ladrão, tá provado, esqueçam este prefeito para sempre”.
Aí um grupo de pessoas conhecidos na cidade como “os sem cavalos” resolveu, por conta própria, ir lá ver onde deveria estar o cavalo puro sangue e seus luxos.
Foram, viram e fotografaram.
Só acharam um pangaré velho, abandonado, bebendo água suja num açudezinho mal feito, numa estrebaria tosca e mal construída.
Mostraram as fotografias do bicho para todo o povo do município.
E o comentário corre solto, de boca em boca.
“Tem armação nesta história. O prefeito não ia se vender por um pangaré daqueles.”
E cresce a gritaria para soltar o prefeito e colocar os caluniadores fantasiados de delegado, promotor e juízes na cadeia.
A rádio da cidade agora só toca música de corno e não fala do pangaré.
E a fábula ainda não terminou e ninguém é feliz já por muitos e muitos anos.
*Pangaré: Cavalo de pouco valor, sem genética.
Por Frei Sérgio Görgen – Frade Franciscano, militante do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”
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