AUTOR(A)
Damião Rodrigues
MPA
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento dos
Pequenos Agricultores
2 de julho de 2020
Nos últimos dias tem se observado, principalmente nas redes sociais, inúmeras manifestações políticas e até politiqueiras, acerca de quem é o pai da transposição das águas do Rio São Francisco. Isso por que na última sexta-feira, dia 26, o presidente Bolsonaro esteve no Ceará para a inauguração de um trecho da transposição. Esse mesmo ato já foi feito em outros momentos por outros presidentes como Dilma e Temer.
Assim a presença de Bolsonaro na inauguração de mais um trecho dessa obra serviu somente para ele aproveitar todos os holofotes para se promover politicamente e assim tentar popularidade entre os nordestinos. Tentando passar a imagem como o pai da grande obra, mesmo sabendo que quando chegou ao governo essa obra estava praticamente concluída.
Do outro lado, alguns simpatizantes dos governos Lula e Dilma – de forma intensa – se manifestaram nas redes sociais procurando por meio de várias publicações e mensagens de repúdio defender a tese de que o verdadeiro pai da transposição foi, sim, os governos Lula e Dilma. Mas, de fato, para os ribeirinhos e ribeirinhas do baixo São Francisco essa obra não era nem pra ter nascido e muito menos inaugurada, nem tão pouco ter um pai.
No início da década de 2000, quando iniciou a luta contrária à transposição, várias organizações, movimentos sociais e vários povos tradicionais alertaram para a evidente ameaça que esse projeto representa para o São Francisco. Denunciavam que o uso dessas águas teria fins para o monopólio empresarial e nem de longe seria para socorrer os atingidos pela seca no semiárido nordestino. Todos nós lembramos bem da palavra de ordem ecoada na época, que dizia: “Não à transposição! Conviver com o semiárido é a solução!”.
E neste mesmo contexto várias lutas foram travadas, chegando até haver a greve de fome feita pelo Bispo Dom Luiz Cappio. Mas, o fato é que a transposição saiu do papel e junto a proposta de ser apresentado um amplo projeto de revitalização do Velho Chico. Pois bem, hoje, após quase duas décadas a transposição está sendo inaugurada aos poucos, depois de custar mais do dobro do previsto – que era de 6 bilhões – mas até aqui o povo ribeirinho ainda espera a tal revitalização prometida na época da luta contra ao projeto.
Hoje vários povos tradicionais estão enfrentado inúmeras dificuldades para sobreviver nas margens do Rio devida a constante baixa vazão do mesmo. E esta realidade tende a piorar após a conclusão da transposição, pois seu grande companheiro Rio São Francisco vai desfalecendo em constante hemorragia e provavelmente não irá sobreviver.
Portanto para nós, ribeirinhos do baixo São Francisco, não há motivos políticos em defender quem é o verdadeiro pai da transposição. Pela honra e glória dos que lutaram contra esse projeto e pela sua ameaça à vida do Velho Chico e seu povo. Pois enquanto há briga política pra saber quem é o Pai da transposição, os filhos e filhas do São Francisco também vão sangrando junto com seu Rio e em uma profunda hemorragia. A cada dia que o Rio vai morrendo, também vai morrendo o povo ribeirinho.
Damião Rodrigues – Ribeirinho das águas do Baixo São Francisco em Sergipe.