AUTOR(A)
Leonardo MelgarejoAUTOR(A)
Leonardo Melgarejo11 de maio de 2022
O avanço da guerra na Ucrânia tem obscurecido problemas concretamente sob nossa área de controle.
Não se trata de ignorar um conflito que renova ameaça de guerra nuclear global, mas sim de entender a insignificância de nossos esforços para solucionar aquele drama, quando temos outros, que verdadeiramente nos desumanizam.
Se trata de reconhecer que aquela guerra, tema central das grandes mídias corporativas, está contribuindo para nossa alienação e apatia. O fato é que problemas sob nossa responsabilidade e capacidade de ação estão sendo deixados de lado.
É verdadeiramente inaceitável que 4.000 civis tenham sido mortos na Ucrânia e pode até ser compreensível que alguns brasileiros se disponham a ir até lá, para morrer brincando de guerra. Mas isso não justifica esquecermos aqueles dias em que contabilizávamos mais de 4000 óbitos em 24 horas, sob o descaso de um governo que fazia piadas como a Covid. E não apenas isso. Alias, a irresponsabilidade do governo, que também é nossa, só avança. Temos aí as mortes por bala perdidas de milícias, o genocídio de povos indígenas e verdadeiros ecocídios nos biomas do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia.
Ou não temos culpa alguma quanto ao que fazem aqueles representantes da sociedade que, instalados no Governo, se empenham contra o presente do povo e o futuro da nação?
Não temos compromisso com aquilo que todos percebemos estar ocorrendo? A degradação moral instalada em instituições fundamentais à democracia, a desmoralização do contrato social, o descaso com os direitos humanos e a sinalização de impunidade para todo tipo de crime que acabam instalando tragédias dentro de nossas casas, isso não tem a ver conosco?
E a guerra na Ucrânia tem? Ela sim, exige e merece nossa atenção?
Parece que já não conseguimos entender, ou pouco ligamos para o papel que nos cabe, na engrenagem que alimenta o ódio e movimenta esta máquina que produz vítimas sobre vítimas, entre os nossos.
Difícil de aceitar, mas parece que estamos prisioneiros de alguma fantasia ativada pela necessidade de bloqueio da consciência quanto à nossas responsabilidades pelo caos que aqui avança. Afinal, a quem cabe a responsabilidade pelo que chega à nossas famílias, na forma do preço do pão, da carne, da gasolina, da fome, da violência e do medo?
Melhor não ver nada disso e tratar dos temas de guerra, revivendo, na maturidade, aqueles meninos treinados para o mal, que guardávamos no fundo da memória? Acostumados, desde a infância a “ver” a brutalidade como método silenciador, anulador de direitos, talvez alguns de nós ainda se percebam poderosos porque animados com aquela guerra distante e com os gritos de MITO, MITO, MiTO em homenagem ao presidente Bolsonaro.
A guerra, com sua maquiagem midiática não apenas nos distrai e ilude. Ela faz emergir tendências adormecidas em homens que foram desviados em suas rotas, que internalizaram o uso da violência contra animais, crianças e, especialmente, contra suas mulheres.
E elas, de quem somos filhos, pais, irmãos, maridos, amantes ou amigos, se convertem nas maiores vitimas.
E elas vivenciam, por conta disso, a negação de seus potenciais e capacidades que, não fosse assim, não fossem brutalmente silenciadas, com certeza contribuiriam de forma decisiva para fim de todas as guerras.
A intolerância, o ódio dos nazistas da Ucrânia e de todos os locais, contra pobres, negros, gays, ciganos, indígenas, ou quem quer que seja, se repetem aqui, no machismo tosco que viceja em nossa sociedade, e floresce neste governo que não apenas desconsidera como também menospreza e oprime o que de feminino que existe em todas as formas de vida.
Desde crianças vivendo com medo, forçadas a limitarem seus sonhos, a crer que existiriam, de fato e por direito, dimensões que lhes são impossíveis de acessar, milhões de brasileiras aguardam, em casa, o retorno daqueles homens que debatem sobre a guerra do leste europeu, nos botecos de suas cidades.
Elas sabem que a violência da guerra não apenas começa na infância, e se sustenta na violência domestica como e principalmente se expande através da omissão dos que nada fazem para evitá-la. E tudo isso se agrava por nossa tolerância e passividade em relação a governos como o de Bolsonaro.
A superação exige reconhecermos que nossa Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006) possui apenas 15 anos e (somente) desde 2012 afirma que qualquer pessoa pode e deve registrar violências percebidas, contra as mulheres, em qualquer ambiente.
E é sobre isso que devemos tratar nos botecos, nas filas, em todos os espaços de convivência. Esta é a principal guerra que nos interessa.
Pensando que este drama, assim como aqueles outros, que envolvem o avanço dos agrotóxicos, dos transgênicos e dos governos protofascistas não se restringem ao Brasil, ameaçando de fato toda a humanidade, resta crer que precisamos fazer de tudo para conte-los, na América Latina.
Resolvido isso, ai sim, poderemos nos dedicar ao que se passa do outro lado dos mares que nos rodeiam.
Leonardo Melgarejo é Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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