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Comunicação MPA4 de outubro de 2018
Assis era um pequeno burgo, cidade medieval, encrustrada no vale da Úmbria, que séculos depois veio a pertencer ao que hoje se chama Itália.
Seria um aglomerado urbano a mais da burguesia comercial nascente não tivesse ali acontecido algo extraordinário.
Em 1306, nesta pequena cidade, um filho da burguesia nascente, jovem e cheio de sonhos, após tentar conquistar título de nobreza participando de guerras e após um período prisioneiro numa destas guerras, abandona o projeto de seu pai e de seus amigos e vai viver com os pobres e cuidar de doentes, de modo especial, hansenianos, na época, chamados leprosos.
E o nome do Jovem era Francisco.
Na prisão o jovem Francisco conheceu o Evangelho de uma forma diferente. Descobrira outro Jesus, próximo, fraternal, irmão dos pobres, questionador da riqueza e da fama.
Francisco saiu da cadeia e não mais se sentiu bem nas festas de suas turmas e nem na venda de tecidos do mercado de seu pai, nem mais aspirou fama e ascensão social servindo nobres em guerras entre irmãos.
Aí encontrou um leproso, e o beijou e abraçou. E depois deste beijo e deste abraço no hanseniano desprezado e excluído, assumindo o risco de contaminar-se, passou a ser rejeitado por todos, chamado de louco, afastado do convívio dos seus.
Também para ele, depois daquele dia, nada mais seria igual e seus olhos passaram a ver o mundo, as pessoas e as coisas com outra ótica.
Clara, jovem da nobreza assisense, também abandona a casa e vai com Francisco atrás de outros sonhos.
Não deve ter sido nada fácil para aquela dupla de jovens enfrentar tudo e todos ancorados numa intuição e numa leitura nada convencional da Vida de Jesus, então narrada com pompas, glórias e reinados aos ditos cristãos dos tempos de então.
O pai de Francisco o deserdou em praça pública e o jovem tirou a roupa e também esta devolveu ao pai burguês da burguesia nascente e passa a dizer: “de hoje em diante direi apenas Pai Nosso que estais nos céus”.
Choque na sociedade assisense. Afronta ao capitalismo nascente, não com discursos, mas com prática real.
Os jovens rebeldes seguidores de Jesus confrontam também as práticas religiosas e sociais do feudalismo, já iniciando sua crise estrutural.
Juntam-se aos pobres e excluídos dos dois modelos em conflito: capitalismo comercial nascente dos burgueses e o feudalismo em início de crise da nobreza medieval. Intuiu Francisco, talvez, o que a burguesia nascente, da qual fez parte na juventude, seria capaz em sua sanha de acumular lucro, poder e riqueza nos séculos vindouros.
A opção de Francisco acabou por encantar muita gente, provocando uma revolução na sociedade e na Igreja de então. Seu jeito terno e encantador e a radicalidade de sua opção, atraiu outros jovens e seu gesto construiu um movimento social e religioso de grande envergadura.
Poeta e profeta, Francisco criou outra relação com os pobres, com os doentes e com a natureza. Compôs o Cântico do Irmão sol onde louva sol e lua, fogo e água, terra e vento, numa harmonia impressionante, um ecólogo centenas de anos antes da ecologia. Amante da natureza prenunciou a necessidade de uma nova harmonia entre o ser humano e seu meio.
Seu movimento teve que desembocar, nas circunstâncias do tempo, numa forma de Vida religiosa de novo tipo, itinerante, misturada com a vida do povo, vivendo do próprio trabalho, radicalmente democrática.
Foi aceito pela Igreja pelas mãos do Papa Inocêncio III, um papa universalista que queria retomar a relação da instituição com os pobres e deter o avanço das rebeldias religiosas pauperistas inspiradas no Evangelho e críticas ao poder eclesiástico.
Assim mesmo, em sua forma de Vida Religiosa, Francisco provoca uma revolução linguística. Seus seguidores são chamados Frades Menores, Irmãos pequenos entre os pequenos, iguais aos sem poder na sociedade de então. Ministros e guardiães – serviçais e cuidadores – denominou os com encargos e funções de coordenação em seu grupo religioso. Até Francisco os encargos de chefia na Igreja e na Vida Religiosa eram vitalícios. Francisco estabeleceu prazos. A cada capítulo, assembleia geral de todos os frades, todos os encargos deixavam de existir e todos entravam no capítulo sem cargos e por eleições, novos eram escolhidos.
Inaugurou uma radical democracia, embora uma democracia de profecia e em escala molecular, mas radical e contracultural.
Radicalmente espiritual, radicalmente evangélico e radicalmente humano, irmão da natureza e irmão dos pobres. Amante da paz e da relação fraternal e sororal entre as pessoas humanas. Convenceu seus seguidores leigos a renunciar ao uso de armas e com isto, provocou falência na arregimentação de soldados para as guerras. Seus seguidores leigos faziam objeção de consciência por seguirem Francisco e se recusavam ao uso de armas.
Não por nada tem hoje ainda tantos admiradores.
E suas lições se fazem tão necessárias nestes tempos em que tantos se apaixonam por soluções violentas, excludentes, discriminadoras e desreipeitadoras dos pobres e dos diferentes.
Francisco de Assis, rogai por nós e alimente nossa luta e nossa esperança por um mundo mais parecido com aquele que alimentou teus sonhos e os de Clara de Assis.
Em 04 de outubro de 1226 Francisco encerrou sua vida biológica chamando a morte de irmã, passando a outro plano de existência e deixando entre nós uma enorme aura de esperança na vida e no ser humano.
Por Frei Sérgio Antônio Görgen ofm
Frei Franciscano, dirigente do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”
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