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Flávia Londres e Paulo PetersenAUTOR(A)
Flávia Londres e Paulo Petersen20 de julho de 2022
*Publicado originalmente no Folha de S. Paulo
Na primeira semana de julho, o Plano Safra anunciou R$ 340,8 bilhões para a agropecuária, 36% a mais que no ano passado, e o maior volume da história. Apesar da perspectiva de crise mundial, o Brasil ainda está entre as maiores economias do mundo, e a agropecuária vive dias de glória, com dividendos de suas commodities em alta.
Como é possível, então, a fome bater à casa de 33,1 milhões de brasileiros e mais da metade da população (58,7%) viver em insegurança alimentar? Por que faltam alimentos básicos da nossa cultura alimentar à mesa?
O Plano Safra aumentou em 39% os recursos para plantio e comercialização de grãos, majoritariamente para exportação, enquanto o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) teve um aumento menor, de 35,4%, e representa apenas 15,75% do total, R$ 53,6 milhões.
O plano também não garante que o crédito de fato chegue aos produtores, uma vez que nas últimas safras os recursos não foram suficientes para equalizar a contratação de crédito. E, principalmente, o plano não tem propostas para nenhuma outra demanda dos pequenos produtores, desde assistência técnica a acesso aos mercados.
O retorno do Brasil ao mapa da fome vem colocando em xeque esse modelo econômico agroexportador e as políticas públicas que o sustentam. Enquanto o “agro nunca teve tanto dinheiro”, como disse recentemente o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), líder da bancada ruralista, a agricultura familiar não tem apoio do governo Bolsonaro. O que vemos são as instituições do Estado cada vez mais orientadas para interesses privados em vez do interesse público.
Os projetos de apoio à agricultura familiar foram desmontados, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltado para a compra da produção agrícola de famílias e doação para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.
O PAA foi substituído pelo Alimenta Brasil e teve seu orçamento praticamente zerado, com a maior parte agora vinculada às emendas de relator, ou seja, ao famoso “orçamento secreto”, ligado a comprometimento político, em vez de critérios técnicos.
Vivemos nos últimos anos um modelo de degradação ambiental que chega a ameaçar acordos comerciais importantes para manter a pujança econômica brasileira nos mercados internacionais.
Enquanto as políticas de Estado, na pandemia, acentuaram a crise para populações vulneráveis, iniciativas coletivas de agroecologia demonstraram capacidade para responder de forma criativa às demandas emergenciais por alimentos e alternativas de geração de renda.
Para fortalecer essas iniciativas, precisamos de um Estado capaz de se comprometer com a reversão dos processos de desmonte institucional. Também carecemos de estratégias de adaptação às mudanças climáticas e outros tantos temas, negligenciados ou diretamente atacados pelos defensores do lucro gerado pela colheita de transgênicos cultivados à base de agrotóxicos.
Ou alguém consegue ver um Estado que compactua com um projeto de lei como o PL 1459/2022, mais conhecido como PL do Veneno, assumir a frente em campanhas de incentivo à alimentação saudável? E, sim, a regulação da comida ultraprocessada também faz parte da visão agroecológica e deve estar presente em um projeto econômico contemporâneo e conectado aos valores do nosso século.
A promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional é um dever constitucional, e a agroecologia é capaz de contribuir para o debate e construção de políticas públicas para responder à fome e à crise ambiental.
Nossas demandas e propostas estão reunidas em uma carta-compromisso para as candidatas e os candidatos ao Executivo e Legislativo nas eleições de 2022. Quem estará conosco para o fortalecimento dessas propostas?
Flávia Londres é Engenheira agrônoma (USP), com mestrado em práticas em desenvolvimento sustentável (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Paulo Petersen é Mestre em agroecologia e desenvolvimento rural pela Universidad Internacional de Andaluzia, doutor em estudos ambientais pela Universidad Pablo de Olavide (Espanha)
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