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Comunicação MPA24 de maio de 2018
Passaram-se 365 dias desde o Massacre de Pau D’Arco, no estado do Pará. 17 policiais civis e militares foram presos, soltos, presos e, agora, podem ser liberados a qualquer momento novamente. Investigação da PF sobre possíveis mandantes está em andamento. Delação premiada homologada. E individualização de conduta de réus permitiu avanço do caso.
Para este mês de maio, em que se completa um ano do Massacre de Pau D’Arco, a CPT preparou uma série de conteúdos sobre o caso. A próxima reportagem é sobre os familiares das vítimas e a situação fundiária da área reivindicada para reforma agrária. Acompanhe em nosso site e nas redes sociais.
Há um ano, naquela madrugada de quarta-feira do dia 24 de maio de 2017, por volta das 5 horas da manhã, policiais civis e militares se reuniram em frente ao 7º Batalhão da Polícia Militar (PM) de Redenção, no Pará, com a finalidade, em tese, de cumprir 14 mandados de prisão preventiva e temporária no então Acampamento Nova Vida, no interior da Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco. Mas naquela ocasião não haveria prisões, e sim mortes.
As terras paraenses, nesse dia, foram encharcadas por sangue de nove homens e uma mulher. O Massacre de Pau D’Arco, como ficou conhecido, é o maior do Brasil desde Eldorado dos Carajás – 21 anos depois. As mãos da polícia puseram fim às vidas de Jane Júlia de Oliveira, Oseir Rodrigues da Silva, Nelson Souza Milhomem, Wedson Pereira da Silva, Weclebson Pereira Milhomem, Bruno Henrique Pereira Gomes, 20 anos, Hércules Santos de Oliveira, 20, Regivaldo Pereira da Silva, 33, Ronaldo Pereira de Souza, 41, e Antônio Pereira Milhomem, 50. O acampamento, algum tempo depois, passou a homenagear a liderança Jane Júlia.
Compuseram a operação no latifúndio 29 policiais civis e militares, sendo duas equipes da Polícia Civil (PC) – cada uma com quatro integrantes, e uma equipe específica da Delegacia de Conflitos Agrários (DECA) –, uma equipe do Grupo Tático Operacional (GTO) da PM de Conceição do Araguaia, uma equipe do GTO de Xinguara, e duas equipes da PM de Redenção e quatro policiais militares do Serviço de Inteligência, conhecido como P2.
Diante de tantos policiais destacados para essa operação, um fator essencial que possibilitou a identificação dos reais envolvidos no massacre foi a delação premiada de dois agentes. Os acordos de colaboração com a Justiça foram homologados, ainda no ano passado, entre o então titular da DECA, Valdivino Miranda da Silva Júnior, 32 anos, e o investigador da PC, Raimundo Nonato de Oliveira Lopes, 45, ambos réus no processo, com a Polícia Federal (PF). Com isso foi possível chegar aos 17 policiais que realmente tiveram algum tipo de participação no Massacre de Pau D’Arco.
Em setembro de 2017, após meses de investigações da PF e a tese policial de confronto com as vítimas ser descartada, o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) – por meio dos promotores de Justiça de Redenção Alfredo Martins de Amorim, José Alberto Grisi Dantas e Leonardo Jorge Lima Caldas – ofereceu denúncia contra 17 policiais, sendo 13 militares e 4 civis, pelos crimes de homicídio qualificado, constituição de milícia privada, fraude processual e tortura.
São réus neste processo: o tenente coronel Carlos Kened Gonçalves de Souza, 47 anos; 2º tenente Rômulo Neves de Azevedo, 32; cabo Cristiano Fernando da Silva, 37; soldado Rodrigo Matias de Souza, 28; soldado Jonatas Pereira e Silva, 26; soldado Neuily Sousa da Silva, 28; cabo Welinton da Silva Lira, 39; 2º sargento Adivone Vitorino da Silva, 44; soldado Francisco Ragau Cipriano de Almeida, 24; 3º sargento Orlando Cunha de Sousa, 41; 3º sargento Ronaldo Silva Lima, 43; cabo Ricardo Moreira da Costa Dutra, 33, e o 2º sargento Uilson Alves da Silva, 46. E os quatro policiais civis: o delegado da DECA, Valdivino Miranda da Silva Júnior, 32; o investigador Raimundo Nonato de Oliveira Lopes, 45; o escrivão Douglas Eduardo da Silva Luz, 28; e o investigador Euclides da Silva Lima Júnior, 30.
José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá e integrante da assistência de acusação no processo do caso, analisa, no vídeo abaixo, a participação do Estado, através de agentes públicos, nos conflitos no campo.
Oitivas
No mês de abril desse ano, entre os dias 2 e 18, os policiais civis e militares réus no processo do Massacre de Pau D’Arco depuseram durante as audiências de instrução e julgamento no Fórum de Redenção. Responsável pelo caso, o juiz César Leandro Machado ouviu ainda cerca de outras 300 pessoas entre testemunhas de acusação, inclusive sobreviventes da chacina, e testemunhas de defesa.
Colaboradores do processo e sob tutela desde o ano passado do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), Valdivino Miranda nasceu em Imperatriz (MA), e estava à frente da DECA desde o ano de 2014. Já Raimundo Nonato, nascido em Belém (PA), é investigador experiente, já está na região há cerca de 13 anos, período em que atuou também no município de Pau D’Arco. Mas nesta delegacia estava há apenas cerca de três meses, transferido contra sua vontade.
Em seus depoimentos, refutaram a tese de confronto entre policiais e os trabalhadores rurais – estratégia dos advogados de defesa que, todavia, já foi descartada pela PF ainda em 2017. “A defesa estava mais limitada no campo da sua estratégia, no campo da sua argumentação, porque as provas dos autos do processo são fartas, as testemunhas [de defesa] que foram trazidas não estavam lá presentes, já era previsível que eles iriam tentar desqualificar as vítimas”, afirmou, em entrevista à CPT, o promotor Leonardo Caldas.
No dia do fato, na manhã do dia 24, os 29 agentes públicos se reuniram na porta do 7º Batalhão, formaram um círculo, receberam informações sucintas sobre a operação e fizeram uma oração. Logo após, seguiram rumo a Fazenda Santa Lúcia, onde chegaram por volta de 7 horas. Mas não encontraram ninguém na sede. E os policiais então se dividiram em três equipes.
Algum tempo depois, pelo rádio, o delegado Valdivino foi avisado pelo 2º sargento Adivone Vitorino sobre um suposto confronto no interior da mata, a alguns metros da sede da fazenda. “No início falaram de um confronto, e depois falaram que era um negócio”, relembrou o então chefe da DECA, que teve sua equipe solicitada pelo PM. Valdivino, Raimundo, Douglas e Euclides seguiram então para o local do crime, que, segundo eles, não sabiam o que havia ocorrido ali até então.
Emocionado, de cabeça baixa e chorando durante o depoimento, Valdivino contou que de longe avistou um corpo no chão. Era Jane Júlia. “Ela já estava morta”, relatou. “Tinha umas armas perto dela. Vi uma pistola. Quando olhei para dentro [da mata] tinha mais pessoas mortas”, contou o delegado. Raimundo Nonato também confirmou: “Primeira coisa que vi foi o corpo da Jane. Ela já estava bem pálida. E na frente tinha mais pessoas mortas”. Segundo Raimundo, havia pessoas vivas ainda, mesmo baleadas. O juiz questionou ao Valdivino: “Parecia ser um confronto ou execução?”, que respondeu rapidamente: “Em hipótese alguma. Execução!”.
Ao chegar no local do massacre, Valdivino contou que se sentiu coagido pelos “mais de 12 policiais militares” que ali estavam para que ele tomasse uma decisão em relação às pessoas que ainda estavam vivas. “Nonato olhava para mim, Douglas e Euclides. Todos estavam quietos sem saber o que fazer. Tinha muitos policiais ali e seria difícil tomar outra decisão. O Nonato então olhou para mim e foi em direção aos vivos. Ele falou que poderia dar algum problema se ele não tomasse uma iniciativa, já que eu não falava nada e os PM’s estavam pressionando. Ele então pegou a pistola e atirou”, relembrou o delegado, versão que também foi confirmada pelo próprio Raimundo Nonato. “Em meio a toda essa pressão, eu saquei [a arma] e tomei a iniciativa diante da situação”, contou. Isso, conforme os dois colaboradores, seria uma forma de “selar ali um pacto” e também para envolver a PC no crime.
Outro fato que se destaca nos depoimentos dos dois colaboradores, Raimundo e Valdivino, é sobre eles terem sofrido uma pressão por parte dos policiais militares para que, após o crime, houvesse apenas “uma versão sobre a história [sobre as mortes]”. O “Coronel [Carlos Kened] chegou e disse: ‘vamos fechar aqui que foi um confronto, estávamos juntos’. Ali eu queria falar alguma coisa, mas nós [policiais da DECA] erámos numericamente inferiores”, ressaltou Raimundo Nonato.
O investigador Nonato, em sua colaboração com a Justiça, também elenca mais dois elementos “estranhos” para ele naquela operação: uma viatura do P2 participar da operação sem ter sido solicitada pela delegacia agrária e a participação de um policial graduado em uma ação como essa – o PM que ele se refere é o tenente coronel Kened. “Nesses 13 anos, uma única vez que foi um alta patente foi um capitão da PM. Na maioria das vezes, eram sargentos. E até esse dia nunca tínhamos tido problemas com a PM”, ressaltou. Sobre o Serviço de Inteligência, o réu afirmou, quando questionado pelo juiz, que: “desde que eu entrei na DECA, nunca teve participação dos P2 em operação. E isso causou estranheza”, destacou.
“É normal em uma operação para cumprir mandados de prisão voltar com corpos?”
– questionou aos réus, mais de uma vez, durante as audiências de instrução e julgamento, o promotor Leonardo Jorge Lima Caldas.
Um dos sobreviventes do Massacre de Pau D’Arco, o jovem F.D (que não será identificado por questão de segurança), em entrevista à CPT em novembro de 2017, relatou os momentos de terror que ele e os/as demais acampados viveram, e que a polícia não deu nenhuma chance de sobrevivência às vítimas. “Eu mesmo só escutei assim: ‘Não corre senão vai morrer todo mundo. Bando de bandidos’. Não deu chance nenhuma. Ali, como nós estávamos, a polícia chegava e dava para prender todo mundo, sem ter matado ou batido em alguém”.
Na mesma linha da versão do sobrevivente, o policial Nonato também afirmou que, quando chegou ao local do massacre, viu pessoas presas com lacres nas mãos, por exemplo. “[As vítimas] estavam rendidas. Ali estavam todos dominados. Não havia motivo para chamar a gente [equipe da PC]”.
“O Caso Pau D’Arco expõe, de forma escancarada, essa iniciativa do poder público em defesa do latifúndio. Os policiais militares e civis foram até a área com a justificativa de cumprir mandados de prisão, sendo que sequer levaram os mandados, mas na verdade foram com a intenção de assassinar as pessoas que se encontravam ali. Então não foram para trazer trabalhadores presos, foram com o intuito de trazer corpos. E de fato foi o que aconteceu, os policiais executaram friamente dez camponeses que se encontravam ali na luta pela conquista da Fazenda Santa Lúcia”, analisa José Batista.
Mandantes
Além dos executores, esse crime teria mandantes? Os dois policiais civis colaboradores da Justiça, em seus depoimentos, dão pistas de que sim. De acordo com Raimundo Nonato, circulou na região “um vídeo de alguns pecuaristas de Rio Maria falando que essas invasões [de terras] não ficariam assim”. Entretanto ele não soube citar nomes durante as oitivas. O policial destacou, por exemplo, que ele e o delegado Valdivino foram questionados por outros policiais se teriam recebido dinheiro pela operação na Fazenda Santa Lúcia. “Inclusive foi imputado contra eu e o delegado que nós teríamos recebido dinheiro. Comentários na cidade e região”, disse Nonato. Ainda conforme o réu, ele ficou sabendo que teria ocorrido uma reunião no município de Rio Maria, cerca de 60 quilômetros de Pau D’Arco, entre pecuaristas para planejar o crime.
Após o encerramento da primeira etapa de investigações na qual foi possível a identificação dos executores do Massacre de Pau D’Arco, houve a denúncia e a prisão dos policiais. Mas, para a defesa dos familiares das vítimas, a Polícia Federal precisava dar seguimento ao caso para apurar indícios, como os citados acima, acerca da possibilidade da existência de mandantes neste crime. Em janeiro deste ano, organizações da sociedade civil, entidades religiosas e movimentos sociais, como a CPT e o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, solicitaram reunião com o então diretor-geral da PF Fernando Segóvia para requerer que a PF retomasse as investigações. Já em março, o delegado da PF Mário Sérgio Santos Nery foi designado para assumir a nova fase das investigações.
“Estes indícios que foram coletados neste primeiro inquérito justamente apontariam para a participação de outras pessoas que poderiam ser muito bem pecuaristas, latifundiários, como também autoridades. É possível que mais tarde estes indícios possam ser confirmados e outras pessoas possam ser trazidas para o processo ou não”, destacou, em entrevista à CPT, o promotor de Justiça Leonardo Caldas.
Em prosseguimento às investigações, no último dia 3 de maio, a PF cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, sendo sete em Redenção e três em Belém (PA), um no Rio de Janeiro, e um em Goiânia (GO). “Essa fase da investigação busca elucidar a eventual participação de outras pessoas, que poderiam ter recebido ou ofertado qualquer tipo de vantagem relacionada ao cumprimento das ordens de prisão dos posseiros acampados na Fazenda Santa Lúcia”, destacou o órgão.
Por telefone, a Assessoria de Comunicação da PF informou que a investigação está em segredo de Justiça, por isso não é possível divulgar quais foram as pessoas alvos dessa operação. Todavia, ainda conforme a assessoria, essa ação apreendeu especificamente aparelhos celulares, aproximadamente 20. Agora, a perícia da PF analisará esses telefones para, posteriormente, ainda sem prazo definido, realizar novas operações.
Eldorado dos Carajás e Pau D’Arco
O Massacre de Eldorado dos Carajás é o maior já registrado no Brasil pela CPT nesses últimos 33 anos, com certeza também o mais conhecido crime no contexto da luta pela terra. No dia 17 de abril de 1996, dezenove trabalhadores sem-terra foram mortos pela PM do Pará. Aproximadamente 228 quilômetros separam Eldorado e Pau D’Arco, municípios marcados pelo sangue derivado da ganância do latifúndio e da luta pela terra na região sul e sudeste do Pará.
O massacre de Eldorado ocorreu quando cerca de 1.500 sem-terra, acampados no município, realizavam uma marcha pela BR-155 em protesto contra a morosidade da reforma agrária. Sob o aval do então secretário de Segurança Pública Estadual, Paulo Sette Câmara, o coronel responsável pela operação, Mário Colares Pantoja, ordenou a repressão policial diante do protesto e, os trabalhadores cercados, foram mortos a queima roupa.
Em comum, esses dois crimes têm como executor a Polícia. No massacre de Eldorado dos Carajás, conforme José Batista Afonso, advogado da CPT em Marabá, a defesa das vítimas, que ele compôs, teve muitas dificuldades no processo de investigação, pois não se conseguiu identificar a autoria das mortes. “Ou seja, individualizar as condutas entre os 153 policiais militares que estavam participando daquela operação. Quem realmente disparou e quem realmente assassinou os 19 sem-terra. Dadas as circunstâncias daquele período e a conjuntura, infelizmente não conseguimos avançar muito nesse campo da investigação dos policiais mais diretamente envolvidos”, relembra.
Na época, contudo, o Ministério Público optou por denunciar os 153 policiais. E a dificuldade da individualização acabou favorecendo os denunciados no Tribunal do Júri “porque a defesa ficou com uma dificuldade em apresentar a denúncia na plenária para um número tão grande de policiais sem ter sequer pelo menos algumas identificações de policiais que teriam diretamente participado da execução. Ou seja, disparado um tiro contra os sem-terra”, esclarece Batista.
Segundo ele, não foi possível, por exemplo, ligar a arma de fogo que houve disparo com o policial que portava aquela arma. Na época, inclusive, até os documentos de cautela, nos quais os policiais assinam no momento da retirada das armas do quartel, desapareceram. “Houve então todo um trabalho de dificultar a individualização das condutas dos policiais. Isso, infelizmente, acabou favorecendo os policiais”. Todos foram absolvidos pelo Tribunal do Júri, sendo condenado apenas os dois comandantes da operação – o da Tropa de Marabá e o de Parauapebas.
José Batista Afonso explica a diferença primordial entre os dois casos, o que possibilitou o avanço das investigações no caso de Pau D’Arco. Confira o vídeo:
No caso de Pau D’Arco, o advogado explica que as principais testemunhas de acusação, os sobreviventes do massacre, presenciaram apenas a chegada das forças policiais na área e que cometeram as execuções, mas não podiam apontar quais policiais eram os autores, pois ouviram só os tiros. “Isso porque eles tiveram que correr desesperadamente do local, mas não conseguiram ver os policiais. E a colaboração dos dois policiais [civis, Valdivino Miranda e Raimundo Nonato], que fizeram a delação, foi possível identificar um por um, nome a nome, quais estavam ali no local onde ocorreram as execuções. E assim foi feita a denúncia pelo Ministério Público incluindo 17 dos 29 policiais que participaram da operação”, ressalta Afonso. Através dessa colaboração com a Justiça que foi possível a individualização das condutas.
Assassinatos e Julgamentos
Hoje, após um ano do Massacre de Pau D’Arco, as investigações ainda não conseguiram identificar os supostos mandantes desta operação policial criminosa. Como citado acima, o Inquérito instaurado pela Polícia Federal corre em segredo de justiça e não tem data para ser concluído. “A impunidade que beneficia os mandantes dos crimes tem sido uma das principais causas da continuidade da violência no campo”, manifestou, em Nota Pública, em virtude da data de hoje, a Coordenação Executiva Nacional da CPT e diversas outras organizações nacionais e internacionais.
Os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT mostram que 2017 foi o ano em que mais pessoas foram assassinadas em conflitos no campo nos últimos 14 anos. Foram 70 mortes, sendo que 28 ocorreram em massacres, o que corresponde a 40% do total. Em agosto de 2017, a Pastoral da Terra lançou uma página especial na internet sobre os massacres no campo registrados entre 1985 e 2017. São 46 massacres com 220 vítimas ao longo desses 33 anos. O estado do Pará lidera esse ranking com 26 massacres que vitimaram 125 pessoas.
Para José Batista Afonso, a punição dos responsáveis por crimes no campo no Pará não é muito diferente do que ocorre neste imenso Brasil. “Nós temos um grande número de assassinatos no campo e um número extremamente reduzido de pistoleiros, intermediários e, principalmente, mandantes em que os processos foram concluídos e os culpados levados à Júri e condenados”.
“No Pará, mais de 900 assassinatos ocorreram nas últimas décadas, e temos um número pequeno de processos em que houve uma investigação e a conclusão, e que tenha se conseguido levar pelo menos parte dos responsáveis a serem julgados” – José Batista Afonso
Confira abaixo o gráfico com os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT de Assassinatos e Julgamentos (1985 a 2017):
A publicitação das mortes no campo, nacional e internacionalmente, tem sido uma forma necessária e recorrente para pressionar autoridades, como do Poder Judiciário, para que a apuração e julgamento de tais crimes tenham celeridade. “Foram esses casos em que nós conseguimos que o processo andasse, e que chegasse inclusive a levar os responsáveis a Júri, como por exemplo o caso do Massacre de Eldorado dos Carajás, a morte da irmã Dorothy Stang, o caso do sindicalista José Dutra da Costa e outros”, relembra Batista, que também pondera sobre “centenas de outros casos em que as vítimas não eram conhecidas e que os casos não ganharam repercussão, infelizmente esses caíram na vala comum da impunidade. Na maioria dos casos sequer houve um inquérito para investigar”, contextualiza.
E levar um responsável por algum crime a julgamento 20 anos depois as condições para se conseguir a condenação são mínimas, conforme o advogado. “Porque, muitas vezes, testemunhas não existem mais, provas foram destruídas pelo tempo, e isso tudo beneficia as pessoas acusadas. E isso é reflexo de um Poder Judiciário, que não é diferente em outras regiões do Brasil, que sempre teve relações muito fortes com aqueles que comandam as terras”, analisa Afonso.
Um dos responsáveis pela denúncia que levou ao banco dos réus os 17 policiais que participaram do Massacre de Pau D’Arco, o promotor Leonardo Caldas analisa, quando questionado sobre o elevado número de conflitos agrários na região onde ele atua, que o Estado precisa realmente olhar para a região, que considera um lugar de conflitos iminentes. “Enquanto isso não acontecer, enquanto isso não existir, vamos viver aqui esperando o próximo conflito”, afirma.
Confira o vídeo com o promotor de Justiça de Redenção Leonardo Jorge Lima Caldas:
Dados apresentados pela CPT e análises de entrevistados mostram que o Brasil tem dificuldade de identificar, julgar e condenar responsáveis pelos crimes no campo. No caso de Pau D’Arco especificamente, o membro do MPPA avalia que há um “caminho longo” até esse processo ser julgado e encerrado. A Equipe da Pastoral da Terra em Marabá acredita que os 17 réus serão pronunciados pelo juiz da Comarca de Redenção e, assim, seguirão para o Tribunal do Júri em 2019.
Reportagem por Elvis Marques – Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT
Vídeos por Thomas Bauer – PT Bahia
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