AUTOR(A)
Damião RodriguesAUTOR(A)
Damião Rodrigues15 de janeiro de 2020
Por Damião Rodrigues*
Há alguns anos estávamos nos planejando para realizar uma expedição pelas águas do São Francisco, a intenção era sair de barco do povoado Bonsucesso até a foz do velho chico que fica entre o município de Brejo Grande Sergipe e Piaçabuçu em Alagoas e enfim esse plano se tornou realidade, do dia 3 a 7 de Janeiro. Nesse desafio estava Quitéria do povoado Bonsucesso e coordenadora da Pastoral dos pescadores e pescadoras, Mauro dirigente do MPA ( Movimento dos Pequenos Agricultores) e eu, Damião, militante também do MPA.
Às 9 da manhã do dia 3 partimos do povoado Bonsucesso a bordo da canoa chamada “O Bom Sucesso” do nosso amigo Pedrinho de Pedro pinto que com muito carinho nos emprestou para realizar nossa expedição, nossa primeira parada foi na Cidade alagoana de Pão de Açúcar para comprarmos combustível e tal modo logo identificamos esgotos produzidos em bares e casas sendo jogados diretamente no rio sem nenhuma forma de tratamento. Nossa segunda parada foi na comunidade quilombola mocambo município de Porto da Folha onde aproveitamos para bater um papo com um nativo da comunidade o seu Antônio de 81 anos, onde nos relatou várias histórias da época de rio cheio, das antigas embarcações e das transformações que o Rio vem sofrendo nos últimos anos, também em Mocambo registramos um gravíssimo problema que a comunidade vem enfrentando que pode até causar a extinção da mesma, com o rio bastante assoreado nesse trecho as águas a busca de espaço para seguir sua viagem vai avançando em direção a comunidade provocando o desmoronamento de barrancos e assim avançando a cada dia em direção às casas da comunidade, uma verdadeira imagem que chama muita atenção e de impacto emocional muito forte.
Nossa terceira parada foi na tribo indígena Xocó ( ilha de São Pedro) também no município de Porto da Folha onde fomos acolhidos pela conhecida Irmã Zezé e pelo jovem Egídio, já estávamos quase no meio da tarde e seguimos descendo o Rio e logo nos 30 primeiros km de navegação podemos identificar um Rio bastante assoreado, várias ilhas que antes não existia foram surgindo nos últimos tempos, um trajeto de águas rasas e já tivemos logo a conclusão que não seria fácil a navegação até a foz do Velho Chico, e após 35 km de viagem chegamos no povoado Barra de Ipanema Alagoas que fica logo à frente de Ilha do Ouro povoado de Porto da Folha Sergipe onde atracamos a canoa para ali passar a noite e assim encerrar nosso primeiro dia de expedição.
Segundo dia…
O segundo dia de expedição partimos às 8 da manhã do povoado Barra de Ipanema e logo nos primeiros km já nos deparamos com várias croas e bancos de areias nos trazendo bastante cautela para navegar, era grande as chances do nosso barco ficar encalhado nas águas rasas do rio, praticamente todo esse percurso navegamos vendo a olho nu o fundo do rio, as diversas ilhas e cascalhos que surgiram nos últimos anos fazia com que várias manobras fosse feita para navegar e desviar das mesmas, a todo tempo era necessário nos revezar navegar entre o estado de Alagoas e Sergipe, uma espécie de zig zag no Rio fazendo com que a nossa viagem se tornasse mais longa. A partir da cidade sergipana de Gararu começamos a observar grandes quantidades de baronesas (planta aquática) boiando e descendo as águas do velho chico, em alguns pontos nos deparamos com grandes ilhas flutuantes dessa planta atrapalhando e muito a navegação, uma outra coisa que nos chamou à atenção foi a quantidade de animais que estão sendo criados nas várias ilhas nesse percurso, meio dia paramos na comunidade Borda da Mata município de Canhoba estado de Sergipe, fomos convidados pela família de Messias e Ivonete para almoçar, uma grande recepção da família e um bom bate papo da realidade atual da comunidade.
Já estava quase no meio da tarde quando se aproximamos da Cidade sergipana de Propriá e foi um dos percursos mais complicado de navegar, o rio ficou dividido em pequenos canais que quase não é possível fazer navegação e várias ilhas em meio a esses canais, chegamos em Propriá às 14 horas, fizemos uma rápida parada para comprarmos mais combustível pois nossa meta era chegar na cidade de Santana de São Francisco antes do anoitecer, tínhamos 35 km pela frente e logo nos primeiros minutos começou a ventar um pouco mais forte e nosso barco começou a balançar nas águas movimentadas do nosso velho São Francisco, e como durante esse percurso não havia um lugar seguro para atracar resolvemos seguir viagem e enfrentar o vento e pequenas ondas, onde ao se aproximar do nosso destino o rio deu uma pequena acalmada, nos trazendo mais segurança para seguir viagem, uma coisa que nos chamou à atenção nesse percurso foi a mudança da coloração da água, apresentava uma coloração mais escura e turva além da grande quantidades de lodos nesse percurso um triste sinal de fragilidade do rio, com certeza foi o percurso que tivemos um pouco mais de adrenalina por conta do vento forte, as 5 da tarde já estávamos em Santana do São Francisco onde encerramos o nosso segundo dia de expedição onde fomos acolhidos pelo padre Mário César onde passamos a noite descansando para no outro dia seguimos nossa viagem rumo a foz do São Francisco.
Terceiro dia…
No terceiro dia de expedição não navegamos, estava havendo algumas competições aquáticas na cidade de Penedo e fomos informados que a capitania dos portos restringiu o tráfego de algumas embarcações, aproveitamos o dia e fomos até o povoado São Miguel, município de Propriá para participar dos 50 anos da paróquia de Nossa Senhora do perpétuo Socorro onde o pároco é o grande lutador Pe. Isaías, foi uma festa bonita, várias comunidades se reuniram para celebrar esse dia histórico.
Quarto dia…
Nosso terceiro dia de expedição partimos às 7 da manhã de Santana de São Francisco, estávamos a 40 km do nosso destino final, os 10 primeiros km tivemos bastante dificuldade para navegar, principalmente no trecho que corta a cidade de Neópolis, havia muitas algas e lodos, a todo momento era necessário para o barco, desligar o motor e retirar da Hélice a grande quantidade dessa plantas que impedia o equipamento funcionar normalmente, a partir desse trecho do Rio já era nítido sentir que a água tinha um gosto salobro um dos sinais que o mar está a cada dia avançando velho chico à dentro, também já era bem possível ver a movimentação da maré sinalizando que o mar já estava logo adiante, eis um trecho de bastante canal ou corredeira d’água e algumas ilhas e de prontidão começamos a observar vários pontos de criatórios de camarão e assim provocando a extinção de alguns mangues, esse sistema ao longo dos anos poderá trazer sérias consequências para o equilíbrio ambiental do São Francisco, pelo uso intensivo de ração e restos de produtos derivados dessa cultura, as especulações imobiliária está em bastante crescente na região, comunidades tradicionais correm sérios riscos de sumirem para darem lugar a grandes hotéis e resorts gerando conflitos, algumas lagoas de arroz não está sendo mais possível ser cultivada devido a alta salinização provocada pela invasão do mar adentro do Rio, alguns pescadores relatam que estão sendo impedido de pescar próximos aos criatório de camarões por alguns empresários se sentirem donos do rio, além que alguns desses pescadores nos relataram que várias espécies de peixes estão em um avançado processo de extinção e outros já extintos e na grande maioria desses relatos os ribeirinhos dizem que grande parte dessas transformações ambientais do velho chico ocorreu após a construção da usina de Xingó que passou a assumir o controle da vazão do Rio.
Às 11:30 da manhã chegamos na comunidade quilombola Resina estávamos apenas a 8 km da foz, já era possível ouvir o barulho das ondas saudando o velho chico, lá fomos recepcionados por Enéias, uma das liderança da comunidade que nos relator os desafios que a comunidade vem enfrentando para resistir firme, ele nos contou que os principais problemas é o avanço constante do mar que além do avanço das águas também já não é possível consumir a água do rio no trecho que passa pela comunidade pela salinização da mesma e na maioria das vezes a comunidade é abastecida por caminhão pipa para não morrerem de sede mesmo morando nas margens do rio. Enéias de prontidão aceitou nos acompanhar no último e pequeno trajeto, ventava muito, mais seguimos até o encontro das águas, e enfim estávamos nós na foz do São Francisco, chegamos no nosso ponto final da expedição, um momento único e inesquecível para nós três, e depois de navegar 190 km estávamos nós no exato lugar onde o velho oparà deságua suas águas depois de percorrer quase 2000 km desde da serra da canastra em Minas Gerais até chegar no município de Brejo grande Sergipe e Piaçabuçu Alagoas, um momento para celebrar a nossa chegada ao nosso destino final depois de algumas dificuldades no percurso, e ao mesmo tempo não há nada a comemorar, pelo que presenciamos durante os 190 km que navegamos pelas águas do velho chico em todo baixo São Francisco e as inúmeras ameaças que esse Rio vem sofrendo que foi relatado nas linhas logo acima.
Já era por volta das 2 da tarde, era hora de fazer o caminho das águas voltando para casa, fizemos uma parada na Cidade de ilhas das Flores para abastecer o barco e aproveitamos a oportunidade para conhecer o plantio de arroz agroecológico dos camponeses da região, uma importante experiência de produção de alimentos saudável e sem agrotóxicos. Em todo percurso da foz até a cidade de Neópolis uma coisa que ficamos impressionados foi o contato dos ribeirinhos com o Rio, em todas as cidades e povoados sempre observarmos várias pessoas desde de crianças a idosos tomando seu banho no rio, cuidado do seu barco, pescando e tantas outras atividades, além dos inúmeros pés de mangueiras nas margens do rio que era até possível alcançar de dentro do barco.
Já tava perto do anoitecer quando na volta fomos até a cidade de Penedo em Alagoas, nosso objetivo era visitar uma verdadeira lenda viva do velho chico, o conhecido Toinho pescador, um homem que sabe e tem muito para nos contar sobre o São Francisco, seu Toinho foi presidente da Colônia de pescadores, um dos fundadores da pastoral dos pescadores e poeta que inclusive nos presenteou com um livro de sua autoria, fomos recebido com sua alegria e energia contagiante, seu sorriso demonstrava sua satisfação pela visita, e em um pouco mais de 2 horas de prosa nos contou sua trajetória de luta em defesa do velho chico, com certeza um dos momentos mais místico e emocionante da expedição, ao ver e ouvir esse grande lutador das águas e do povo do rio na altura dos seus 89 anos, mesmo com alguns problemas de saúde é impressionante sua lucidez e sabedoria, e após tomarmos um café onde o mesmo fez questão para sentar na sua mesa com parte da sua família era hora de nos despedir de seu Toinho, claro que passaríamos a noite toda se possível batendo papo com ele mais já era noite e precisávamos seguir viagem de volta, atravessamos o rio e pernoitamos mais uma vez na casa de Padre Mario em Santana de São Francisco.
Quinto dia…
Logo cedinho partimos de volta para casa, a volta foi mais rápida como não fizemos tantas paradas, exceto para abastecer e passar no bar de seu kaká em Barra do Ipanema para agradecer pela estadia no seu estabelecimento na ida, por volta das 18:30 do dia 7 de Janeiro chegamos de volta a Bonsucesso, e ao atracar o barco no seu porto natural já batia uma grande saudade de navegar nas águas do velho Opará e na grande certeza que qualquer dia voltaremos a passar vários dias na companhia do velho Rio e seu povo, que tanto nos acolheu bem, e voltar a sentir a humildade dos barqueiros, lavadeiras, pescadores e pescadoras que a cada encontro e passagem pelas margens recebíamos aquele sincero comprimento desse povo como se tivesse eles e elas falando para nós” sejam bem-vindos o Rio é de todos nós”, povo que em alguns trechos teve seu rio roubado, por conta da baixa vazão deixou de passar pela sua comunidade, e mesmo assim não deixou de amar seu rio e seguir lutando para ter seu Rio de volta.
Até nossa próxima expedição e obrigado Rio São Francisco, Velho Chico e eterno Opará…
* É militante do Movimento dos Pequenos Agriculores-MPA
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