AUTOR(A)
Cristina MatieloAUTOR(A)
Cristina Matielo9 de janeiro de 2020
Por Cristina Matielo*
O alimento é essencial e determinante para toda a história da sociedade, é essencial para a existência da vida, sendo indispensável para reprodução da espécie. Nesse sentido, tomamos “o alimentar” como um processo amplo e articulado, que envolve um conjunto de práticas e processos sociais, desde os recursos naturais, as matérias-primas para elaboração de alimentos, o produzir, o processamento, a distribuição, a comercialização, o preparo até o consumo desses alimentos e as suas decorrências.
O processo de produzir até comercializar coloca a família camponesa diversos desafios como acesso a terra, a crédito, mão de obra, a água, preparo e escoamento da produção, o comércio. No entanto, a organização, produção e comercialização dos alimentos encontram, dentre os vários desafios, o obstáculo enorme na própria legislação vigente, que impõe, a partir de um modelo de sociedade capitalista, uma padronização e homogeneização dos alimentos, favorecendo um padrão alimentar imposto pelas empresas, voltado para o lucro. Através deste processo a produção camponesa é cada vez mais criminalizada e excluída dos mercados locais.
A legislação e o Estado, na maioria das vezes, estão a serviço dos grandes capitais e, para isso, não se eximem de condenar e eliminar a produção camponesa. No último período está ainda mais violento o processo de extermínio da produção camponesa, retrocedendo em conquistas importantes como PAA, PNAE, programas que incentivavam a produção diversificada e saudável de alimentos, e mas que isso, permitia as famílias de baixa renda, o acesso a essa produção, de forma justa, criava a relação direta entre produtor e consumidor.
Além deste retrocesso, muitos outros ataques vêm se intensificando, como por exemplo, os inúmeros venenos liberados para serem jogados na produção, que vai direto para mesa de quem consome. A ofensiva para a comercialização da produção camponesa é ainda maior, com a criminalização das feiras livres, dos mercados locais, a proibição de vendas de produtos artesanais, exigências descabidas de regularização que não atendem as necessidades e especificidades artesanais e camponesas.
Muito embora se crie a ilusão de que quem alimenta o mundo é o agronegócio, pelo seu vasto território de latifúndio ocupado em plantios de monocultura, com a utilização de tecnologias de ponta, maquinários pesados, altíssimo uso indiscriminado de agrotóxicos, adubos, sementes transgênicas, esse modelo tem produzido doenças, pobreza, fome. A verdade é que, quem realmente alimenta o mundo são os pequenos agricultores, que produzem 70% (setenta por cento) da comida dos brasileiros (IBGE, 2006) por meio do cultivo, respeito e integração com a terra, com a água, com a natureza, por meio de seu jeito próprio de ser, de fazer e de viver.
As famílias camponesas que se organizam em suas regiões, produzem, preparam e comercializam a sua produção buscam sua forma de sobrevivência e de garantia de direitos fundamentais e essenciais para sua vida, ao mesmo tempo em que promovem um bem para toda a sociedade, fornecendo a muitas outras pessoas acesso a uma alimentação saudável, de qualidade, nutritiva, fresca, contribuindo para alimentar muitos trabalhadores e trabalhadoras da sociedade que não têm condições de produzir seu próprio alimento. É incorrer numa grande injustiça social condená-las por exercerem seus direitos, por manterem suas culturas e seu modo de ser.
O costume, o modo de ser, o jeito de fazer das famílias camponesas que comercializam sua produção nos mercados locais, nas feiras livres e no mercado popular de alimentos é um Direito legítimo, pois mantém uma tradição, uma cultura, uma identidade que é própria, específica de cada povo, de cada região, de cada cultura. Esse modo de ser e fazer também se traduz em resistência e sobrevivência e, como tal, precisa ser valorizado, cuidado e conservado.
Toda a truculência do Estado brasileiro sobre a produção camponesa, de canto a canto deste país, nas suas mais diversas formas e violências, tem servido, por outro lado, para gerar a resistências dessas famílias que alimentam o povo brasileiro, em luta incessante por seu direito de produzir e viver com dignidade.
É pelo direito de comercializar a produção camponesa que se defende uma legislação mais justa e legítima, que só será possível ao considerar a pluralidade, a diversidade dos povos, da cultura, das diferentes regiões, tendo flexibilidade diante de cada realidade. Isto não significa defender uma produção desregulada, mas, ao contrário, que seja realmente garantida à qualidade dos alimentos e assegurada a saúde de todos e todas.
* Advogada e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA
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