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Mateus Menezes QuevedoAUTOR(A)
Mateus Menezes Quevedo13 de dezembro de 2019
Por Mateus Menezes Quevedo*
Há uma semana, na terça-feira, 02 de dezembro, recebemos a notícia que Débora Dubrat foi arrancada da vice-presidência do Conselho Nacional dos Diretos Humanos (CNDH), cargo que ocuparia a partir janeiro de 2020. A manobra foi dada pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para tomar a frente do Conselho. Segundo o colunista da revista Época, Guilherme Amado, a mandante foi a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
Não é de estranhar que esta alcateia de governo não cumpra com as construções democráticas até aqui estruturadas. Acontece que na lei que criou este conselho e seu respectivo regimento interno, o CNDH é presidido por um representante da sociedade civil e um do Estado, com eleições a cada dois anos, e com alternância entre presidente e vice-presidente. Nas eleições deste ano, a subprocuradora Debora Dubrat foi eleita como vice-presidente do CNDH.
De forma ilegal e autoritária, o procurador-geral da República, Augusto Aras, em forma de ofício, informou que ele quem será o representante do Ministério Público Federal (MPF) na comissão. E, em sua ausência, o secretário de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República (PGR), Aílton Benedito, o substituirá. Benedito é um entusiasta da Ditadura Militar e do Escola Sem Partido. Crítico ferrenho do ‘método’ Paulo Freire, para ele o ‘método’ é o culpado pelo resultado do Brasil no PISA de 2018.
O PISA é o Programa Internacional de Avaliação de Estudante, uma das avaliações mais importantes na área. Os resultados de 2018, divulgados na semana passada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que 68% dos estudantes – no Brasil, participaram 10.691 adolescentes de 15 anos – estão no pior nível de proficiência em matemática. Para Benedito a culpa deste resultado é o ‘método’ Paulo Freire e não o sucateamento da educação pública.
Em uma publicação no Twitter ele se rebela: o “Método Paulo Freire de fabricação de analfabetos consegue extraordinários resultados no Brasil: exame internacional PISA de 2018 mostra que desempenho escolar dos estudantes brasileiros estão entre os piores do mundo em matemática, ciências e leitura. Parabéns aos culpados!”. E é exatamente sobre a educação que este texto se faz necessário. A educação é a ferramenta principal para a juventude, não só, entender o Brasil como um país extremamente desigual, como também, para construir mecanismos que possam transformá-lo – aqui inspirado nas palavras de Rosa Luxembugo – em um país libertado, diverso e socialmente justo.
Um clichê utilizar como inspiração uma frase de Luxemburgo, mas a síntese é verdadeira e apresenta nossa bandeira de luta. E não é somente sobre isto que quero escrever, mas sim, sobre o papel que a escola tem na construção deste novo país – entendendo que é uma construção que se afirma na solidariedade internacional – em que a essência da democracia seja o povo organizado. Pois bem. Ainda naquela terça-feira, coloquei o nome de Débora Duprat na caixa de pesquisa do Twitter e, na primeira publicação com o seu nome estava lá um vídeo, com o título: ‘Procuradora diz que crianças não pertencem à família, e passa mal ao ser desmascarada’. Sensacionalista seria um elogio para tal chamada. Acontece que o vídeo seria de uma das falas da subprocuradora que explicaria o motivo para o golpe de Aras.
seria inconcebível que nós, na atualidade, vivendo em uma sociedade democrática, de liberdade de ideias, nós tivéssemos os professores sob constante vigilância dos alunos, dentro de sala de aula”. Débora Duprat
Ela nem passou mal, nem foi desmascarada, no vídeo ela fala que a criança não está somente sob a responsabilidade da família, mas também, e de forma igual, da sociedade e do Estado. Isto está na Constituição. A fala foi retirada do programa Expressão Nacional, gravado em 21 de fevereiro de 2017. “Exatamente porque a criança, ela recebe orientação dentro de casa, mas ela também tem que ser preparada para o espaço público, e o espaço público não coincide com o espaço privado”, justificou Duprat. E ela, continua, apresentando os aspectos principais que tornam o projeto Escola Sem Partido inconstitucional, pois o programa tratava-se de um debate sobre este projeto: não permite o “pluralismo de ideias, (e nem) a liberdade de cátedra, que vem na sequência de uma constituição que procura expurgar do seu texto qualquer resquício de autoritarismo, de período ditatorial, de período de censura, e essa questão da família, seria inconcebível que nós, na atualidade, vivendo em uma sociedade democrática, de liberdade de ideias, nós tivéssemos os professores sob constante vigilância dos alunos, dentro de sala de aula”.
É óbvio que Duprat teve seu direito usurpado por defender a democracia. Para o atual presidente, seus ministros, e todos os políticos do segundo escalão que o seguem, pensam que a democracia é uma baderna. E também é óbvio que as escolas públicas são o alvo principal para a ideologia que eles defendem, que é uma ideologia autoritária, vendida aos interesses do mercado financeiro internacional. E suas armas principais têm sido projetos como o Escola Sem Partido, o Future-se e a militarização da educação. E o objetivo, nem de longe é a moral e os bons costumes ou então fortalecimento à ciência e tecnologia, mas sim, a financeirização da educação. Ou seja, a democracia é um obstáculo a ser combatido.
“é o fim do espaço público como expressão da pluralidade de pontos de vista” Flávio Brayer
O Future-se em sua exegese já deixa nítido o interesse de rifar as Universidades Federais. Em entrevista recente, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, ameaçou tirar a autonomia que as Universidades Federais têm. Mais uma vez, integrantes deste governo têm realizado ameaças gravíssimas à Constituição. A pergunta que fica é quais os limites? Isto é, se haverão limites. Não há palavras na língua brasileira que hão de esclarecer qualquer discurso vindo destes lobos disfarçados de gestores públicos. Uma vez que o objetivo é a entrega ao sistema financeiro e seus pares estão dispostos a todo e qualquer aparato para conter quem rebela-se contrário ao este plano vertiginoso.
Para o professor Flávio Brayner, da Universidade Federal do Pernambuco, o que está em jogo, com projetos como o Escola Sem Partido, “é o fim do espaço público como expressão da pluralidade de pontos de vista”. No artigo ‘A cassação de Paulo Freire’, Brayner apresenta a receita que vem sendo utilizada:
“A cassação do patronato é apenas o primeiro movimento de um jogo mais demorado e mais profundo. Começa-se por destruir o ícone situado no ponto mais alto do culto, depois se condenam as práticas (não como heréticas, mas como ‘ineficazes’, um termo mais moderno para abrigar os Tribunais do Santo Ofício Pedagógico), alterando os currículos, suprimindo disciplinas, modificando o perfil da formação dos professores, dirigindo a escolha dos livros didáticos (que filão!), tudo com assessoramento privado para os municípios que aderirem à ‘Revolução Pedagógica Pós-Freireana’ e, em seguida, se perseguem os oficiantes resistentes. Se tudo der certo, os Centros de Educação das Universidades Públicas (com forte presença das ideias de Freire) deverão desaparecer e o que restar será entregue a grandes empresas educacionais (nacionais e estrangeiras)”.
Pois bem, já sabemos onde que o Escola Sem Partido chegará. “A nossa proposta não tem prazo de validade. O fato de não ser aprovada no momento, não significa que não pode ser discutida novamente. Esse é um assunto relevante” defende Miguel Nagib o fundador do movimento Escola Sem Partido e que também participou do debate naquele 21 de fevereiro de 2017, em que Debora Dubrat defendeu a escola democrática. Mas a frase colocada aqui foi resgatada de uma matéria d’O Globo, do dia 8 de novembro que traz o título: ‘Após anunciar fim, Escola Sem Partido recebe doação, e projetos de lei avançam’. Na matéria Nagib diz que o movimento recebeu investimentos e omite o nome do investidor.
Para o professor Brayner se não for permitido à escola a pluralidade de ideias logo as escolas se tornarão “a) em um ambiente totalitário, anulando a opinião individual (a ‘crítica’ só pode aparecer com a emergência do indivíduo moderno) e transformando-a em ‘opinião pública’ (típica da sociedade de massas) e, b) a transformação da educação em instrução, retirando dela a possibilidade de avaliarmos a finalidade humana da formação e sua legitimidade moral”. E o governo já tem o ingrediente para isto: a militarização das escolas.
“o que faz a educação ser de qualidade, não é o fato de ter um militar a frente da escola, é o investimento que o poder publico faz na escola, o envolvimento das famílias, é a construção coletiva, então são essas reflexões que a gente precisa trazer junto ao povo” Luis Souza
Instigado sobre o risco que as escolas militarizadas podem oferecer à democracia saí, dentro do MPA, em busca de quem pudesse elucidar sobre o tema. Conversei com o companheiro Luis Souza, que contribui no Coletivo de Educação no estado de Rondônia. E ele, de forma sincera coloca que “o tema militarização nas escolas é o tema mais complexo que já surgiu para a gente fazer debate”. Luis explica o porquê: “porque ele vem com um discurso muito baseado na moral, se você pegar hoje, a maioria dos pais são a favor da educação militar porque vai ter o filho disciplinado e todo aquele discurso”.
Para ele, e me encorajo a dizer que para o MPA como um todo, “o que faz a educação ser de qualidade, não é o fato de ter um militar a frente da escola, é o investimento que o poder publico faz na escola, o envolvimento das famílias, é a construção coletiva, então são essas reflexões que a gente precisa trazer junto ao povo”. Aí a gente chega na maior contradição deste momento na educação brasileira, se na ponta, os integrantes do governo colocam que é culpa de Paulo Freire os baixos índices da educação brasileira, na base do povo brasileiro, percebemos o quanto a pedagogia freiriana faz falta.
E faz falta porque o problema da educação não é a aplicação de determinada pedagogia, mas sim, as condições que são dadas à infraestrutura das escolas, ao baixo salário dos professores. Preste atenção em uma informação: segundo o censo escolar de 2015, no Brasil, mais da metade dos professores do ensino médio dão aulas em disciplinas que não tem formação específica. No Rio Grande do Sul os professores da rede pública de ensino estão em greve desde outubro, o motivo: 50 meses recebendo o salário atrasado – por exemplo, a folha de novembro só começará a ser paga em 16 de dezembro – e o governo ainda lança a ‘pacote da maldade’, no qual integra o funcionarismo do RS à reforma da previdência de Guedes e desmontou o plano de carreira da categoria. O pacote é resultado da agenda neoliberal do governo de Leite. E acredite, o pacote foi lançado no dia dos professores, 15 de outubro.
Ou seja, o baixo índice no PISA 2018 é resultado da falta de investimentos na educação e não do patrono da educação brasileira. De todos os países que participaram o Brasil é um dos que menos investem em educação pública. “Precisamos começar a questionar, onde está a raiz do problema, que a saída não é militar, a saída é por meio da escola democrática, que a gente não dá pra formar ser humano obediente, a democracia é central para uma sociedade que quer autonomia. E não há democracia se construirmos uma educação baseada no militarismo”, completa Luis.
A PEC do fim do mundo que transformou-se na emenda constitucional nº95 de 15 de dezembro de 2016 foi a cartada necessária para começar o desmonte da educação pública. O congelamento dos investimentos em educação, a entrega dos campos do Pré-sal, entre tantas outras têm feito a agenda neoliberal triunfar sobre a educação pública, gratuita e de qualidade para o povo brasileiro. Mais do que nunca é necessário incitar o debate público sobre este tema. Direitos humanos e educação andam de mãos dadas. A agenda neoliberal faz aumentar a desigualdade social e o Brasil já é o segundo país do planeta com maior índice de desigualdade social. E aí mais, uma vez, recupero o que Duprat disse no Expressão Nacional: é necessário que as famílias, a sociedade e o Estado andem de mãos dadas e isso só acontecerá pela via democrática.
Mas, ainda não satisfeito, e instigado pelo companheiro Luis, fui atrás de um exemplo do modelo de escola que fortalece o debate de educação camponesa dentro do MPA. Pedi para que a companheira Kátia Soprani, do coletivo de juventude do Espírito Santo, trouxesse o exemplo da escola na qual ela está incluída. Segue seu depoimento:
“Companheiros e companheiras, venho aqui dar minha colaboração ao debate da educação camponesa, nesse período conturbado de forte debate com a educação, diante da retirada de direitos da juventude em relação a educação, diante do modelo de educação que foi construído no nosso país, e falar um pouco da minha experiência como estudante da Escola Família Agrícola do Bley, que é uma escola que trabalha com a metodologia da pedagogia da alternância integrada com o ensino médio profissionalizante em técnico em agropecuária, onde construímos uma parceria entre estudante, família e monitor. Parceiros que constroem as atividades da escola pensando em formas de trabalhar a agricultura camponesa de forma a conviver com o meio ambiente, de forma que não o prejudique, construindo a agroecologia nas atividades das disciplinas, e nos relacionamentos interpessoais com os colegas de estudo, com a comunidade, com os movimentos parceiros que defendem a melhoria do campo.
Na escola os estudantes têm uma associação que nos dá a autonomia de organizar os trabalhos da escola desde a limpeza, o cuidado das áreas práticas até mesmo a área de administração. Realizamos assembleias para nos organizar durante o ano onde participam não só os estudantes, mas também pais e monitores. Realizamos palestras para o desenvolvimento pessoal profissional e coletivo, além de muitíssimas atividades relacionadas ao campo onde pesquisamos na realidade das nossas comunidades, na teoria dos livros já escritos e, por fim, relatamos e apresentamos, colocando em comum a realidade camponesa.
Esse é um modelo de educação onde não apenas nos sentamos e escutamos, mas temos a oportunidade e responsabilidade de debater, e construir uma educação voltada para o campesinato, uma educação que não nega a nossa realidade e está sempre aberta para todas as opiniões, todas as pessoas, todas as raças, todas as religiões e todas as idades. E essa é a nossa proposta de educação para o campo, essa é a nossa proposta de educação para a juventude. Uma educação onde convivemos de igual para igual onde todos somos sujeitos protagonistas. Porque a juventude precisa ser protagonista, não do futuro mas sim dos agora, precisamos estar dispostos e preparados para ser um ser que constrói a sociedade, precisamos a estar disposto a enfrentar o modelo do agronegócio que nega o nosso maior patrimônio que é a terra, que nos dá o sustento, precisamos estar dispostos para provocar a mudança na agricultura. A fim de produzir alimentos saudáveis para toda a sociedade, precisamos ser sujeitos que estão dispostos a transformar a nossa realidade fazendo do nosso país um país de harmonia, um país do povo onde cada ser tenha o direito e o dever de construir.
NOSSO LEMA É ORGANIZAR, REFLETIR E TRANSFORMAR
Katia da Silva Soprani
* Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA, integrante do Coletivo Nacional de Juventude
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