AUTOR(A)
Marinílda Mandu*AUTOR(A)
Marinílda Mandu*25 de novembro de 2021
Ao lançar um olhar no passado é possível um encontro com outras gerações e pensar o que formam elas: como viviam, quais eram seus sonhos e aspirações. Quantas coisas aconteceram antes de virmos ao mundo.
Ao observar uma pessoa idosa com traços e marcas cravadas pelo tempo, a começar pelas rugas em seu rosto, o aparente cansaço dos anos vividos, as dificuldades de se locomover, olhos embaçados, mãos trêmulas é possível se perguntar: Como terá sido esta vida? Que amores e dessabores carregam em seu peito e alma?
Vem à mente uma senhorinha, com vestido estampado, chinelo rasteirinho aos pés, curvada, pensativa, marcas do tempo por todo o corpo, fundas rugas em seu rosto. Sentada na rodoviária de Arapiraca-AL, esperando horas a fio, por um transporte coletivo.
Faz voltar ao tempo, tentar imaginar a sua própria história. Que vidas e caminhos a trouxeram até aqui. A pensar nas tantas mães e avós daquelas épocas, castigadas pela seca, andando léguas[1] em busca de água para consumo, banhos, tratar das criações, lavar roupas, limpeza da casa. Trabalhando sol a sol nas lavouras de fumo, nos rebocos de casas. Para muitos o transporte na época era um burro de carga, jegue, que também judiados pelas secas e estiagem, sobre açoites, se punha a transportar as pesadas cargas.
Muitas destas mulheres trabalhavam arduamente na infância com suas famílias e tinham como consolo, ainda novos, o tabagismo. Por se esporem ao trabalhar nas lavouras e casas de beneficiamento do fumo, inalando, se intoxicando e se tornando dependentes e consumidores de cigarros de palha. Marca sabiá. De onde vem. Quantas vidas se foram por este rótulo. A alegria vinha também dos períodos de colheita onde as mães compravam peças inteiras de tecido e lhes confeccionavam roupas, vestidos de chitas. O que muitas vezes, por usarem as mesmas estampas e pela diferença de um ano de idade entre um nascimento e outro, as aparências eram confundidas, passando por gêmeas. Um pó de arroz ao rosto eram maquiagens perfeitas. Louvável ainda quando se tinha uma alpargata[2] aos pés.
Ainda na adolescência e fase inicial da juventude as feiras livres, os forrós pé-de-serra, nas famosas casas de reboco, quando lhes era permitido ir, poder dançar, poucas eram as diversões e alegrias. Ou então nas noites de rezas (terços) em que era possível encontrar as amigas e olhar os rapazes.
Era tudo muito restrito, a poucas era permitido cursar as primeiras salas de aulas. Muitas mal alcançavam a juventude e estavam prometidas em casamento, submetendo-se a um relacionamento obrigado pelos pais. Prevalecia a ideia de que o papel da mulher era procriar, não precisava ter estudos. E assim surgiam numerosas famílias e a cada menina que nascia repetia o mesmo ciclo da história.
Aos homens embora tivesse vantagens, mais liberdades, em alguns aspectos não era diferente. Seguiam nas lidas do campo e do gado, das criações, tentando livrá-las da seca. Numa lida exaustiva. Eram para eles também nas festas, nas feiras, nos perfumes e fragrâncias da época: Tabu, brilhantina, no tabagismo e bebedeiras que muitos se sentiam realizados.
Quantas gerações se passaram, nos antecederam. Quantas histórias tem cada pessoa a contar de seu tempo.
As pessoas estão cercadas das tecnologias, em especial as crianças, adolescentes e jovens. Cerceadas pelas redes sociais e outros meios de comunicação, produtos elétricos, eletrônicos, e mais distantes dos meios e espaços diretos de convivência, dos esportes, lazer, arte e cultura.
O que esperar da formação de crianças que a partir de dois (2) anos passam horas com um celular na mão, se entretendo, tendo este como uma brincadeira, ou sendo usados pelos adultos para mantê-las ocupadas. Acessando tudo o que lhe vem a frente, sem nenhum critério ou adequação a sua faixa etária
Outro desafio da geração atual refere-se às formas de comunicação, que linguagens utilizar. As atividades artísticas e culturais aproximam pessoas de diferentes faixas etárias, e permite de uma forma “desarmada”, aberta, esta comunicação entre ambos.
Mesmo que os tempos sejam outros, nunca foi fácil. Transformações ocorrem, mas, muitos vivem na penúria. Cada um com seus contos, cada um com sua história.
Somos frutos deste passado, destas gerações. Somos presente, uma nova geração. O que faremos pelas futuras gerações?
Atribui-se esta tarefa a família. Mas, num país capitalista têm mesmo as famílias, por si só, as condições concretas para cuidar de nossas gerações?
É como se desse a largada. Algumas se realizarão, mas a maioria delas estará fadada aos sofrimentos, escassez, desilusões. Campo fértil para a proliferação da maldade, injúria, falta de caráter. Porta aberta para as drogas, a violência, a prostituição, os abusos, os furtos, as mortes precoces.
Quantos jovens que por falta de equilíbrio emocional ou financeiro tiram suas vidas, se suicidam. Ou aquelas pessoas que pelo mesmo fator ceifam a vida de outros.
E o Estado se mantém omisso. As instituições pouco fazem para contribuir no crescimento de pessoas íntegras, saudáveis e confiantes no amanhã.
É preciso criar outros espaços de convivência e de socialização. A Arte e a Cultura podem ser esta porta aberta através da música, da dança, do teatro, do artesanato, da pintura, das artes visuais. Ou ainda, através das modalidades esportivas, das “artes marciais”.
Acompanhar, vivenciar experiências coletivas com grupos de pessoas compostos por crianças, adolescentes, jovens e adultos, homens e mulheres, em atividades físicas e culturais (jogos de vôlei e a capoeira, por exemplo) faz acreditar, ter a certeza que a cultura, o esporte, o lazer e a arte liberta pessoas, transformam vidas.
*Marinílda Mandu é professora da rede pública, assentada e camponesa, dirigente do MPA em Rondônia.
[1] Cada légua, representa 6 km percorridos.
[2] Chinelo rústico da época, feito de couro.
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