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23 de agosto de 2019
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), tem uma imensa coleção de pronunciamentos sem pé nem cabeça, como diz o dito popular para descrever uma coisa absurda. Mas a afirmação de que as ONGs estão por trás dos incêndios que vem assolando os estados do Oeste, do Meio-Oeste e do Norte merece um destaque. Mais ainda: “Dinheiro no bolso de ‘ongueiro’ não combate incêndio”, frase dita pelo presidente. Por que as ONGs, em especial as ligadas à preservação do meio ambiente, são tão odiadas pelos exploradores clandestinos de florestas, reservas minerais e recursos hídricos? A resposta é simples. As ONGs dão capilaridade à vigilância da preservação ambiental. Por menor que seja a localidade, ou mais afastada que esteja das cidades, lá sempre tem alguém ligado a uma ONG que sabe quem é quem na exploração ilegal dos recursos naturais. Essa capilaridade é fundamental para orientar os serviços oficiais de controle, tipo Ministério Publico Federal (MPF) ou Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama). Em um país continental como o Brasil, não tem como os órgãos de fiscalização oficiais estarem em todos os cantos.
Essa é a realidade. E não é por outro motivo que os repórteres envolvidos com cobertura de meio ambiente e outros conflitos, como a disputa entre garimpeiros e índios, procurem o pessoal ligado a ONGs para saber o que está acontecendo. Desde 1980, viajo pelos estados do Meio-Oeste, principalmente Mato Grosso, e do Norte, Amazonas e Roraima, buscando histórias para contar. No final dos anos 1990, eu percorri várias cidades do interior do Pará e do Amazonas, fazendo uma reportagem sobre a instalação de madeireiras asiáticas na região. As informações que consegui com pessoas ligadas a ONGs foram fundamentais para dar um quadro fiel e detalhado da presença dos madeireiros asiáticos na região. Em 1993, estive na fronteira de Roraima com a Venezuela, onde índios ianomâmi foram massacrados por garimpeiros. As informações sobre o episódio do pessoal ligado a ONGs eram muito mais precisas e completas do que as das autoridades. Também fiz matérias do que aconteceu em em 2004, em Rondônia. Os índios cinta-larga massacraram 24 garimpeiros. Na ocasião, as ONGs sabiam mais detalhes do que tinha acontecido do que a Polícia Federal (PF). Nos mares do Rio Grande do Sul, eu fiz uma reportagem sobre pesca ilegal – barcos catarinenses praticam a pesca de arrastão (uma rede estendida entre dois pesqueiros leva tudo pela frente). As ONGs tinham dossiê sobre o assunto.
Há muitos anos que nessa época do ano os incêndios nos estados do Oeste, do Meio-Oeste e do Norte são intensos. Já foram mais. Lembro que, no final dos anos 1980, em cidades como Sinop (MT), era difícil respirar de tanta fumaça. Foi a pressão das ONGs que conseguiu diminuir sensivelmente os incêndios. Nos anos 1970 e 1980, essa região era conhecida como fronteira agrícola e foi povoada por agricultores do Sul do Brasil, principalmente do Rio Grande do Sul. Conheço profundamente a situação, eu escrevi três livros sobre o povoamento dessas fronteiras: Brasil de Bombachas (1996), O Brasil de Bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha e De Pai Para Filho na migração gaúcha. A maioria dos agricultores ocupam a terra o todo o ano – soja, milho, algodão e pastagem. Portanto não usa fogo. Liguei para várias pessoas nessas regiões para saber se tinham visto alguém ligado a ONGs com uma caixa de fósforo na mão, colocando fogo. Ninguém viu nada. O que me falaram foi que as condições climáticas desse ano – tempo seco – alastraram os focos de incêndio, que, tradicionalmente, nascem à beira das estradas. E também relataram que vem crescendo a presença de madeireiros clandestinos na divisa do Mato Grosso com o Amazonas. Eles derrubam a mata e queimam o restou.
É importante que o jovem repórter que trabalha em redação fique atento para o seguinte. Se não fossem as ONGs, já teria acontecido no Brasil o mesmo que houve nas florestas asiáticas: foram derrubadas pelos madeireiros. No Brasil, isso não aconteceu graças a pessoas como Chico Mendes, morto em uma tocaia em Xapuri (AC), em 1988 – a história está disponível na internet. Essas ONGs reúnem gente de todos os cantos do mundo. Eu tenho 68 anos, 40 e poucos de repórter, e conheço muitos deles. São pessoas sérias que têm um compromisso político com a preservação ambiental. Eles não lutam pelo dinheiro. E pelo amanhã do mundo. É simples assim.
Carlos Wagner
Repórter
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