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Jorge BrancoAUTOR(A)
Jorge Branco27 de janeiro de 2021
Jorge Branco
As condições políticas para o impeachment do catastrófico presidente Bolsonaro começam a se constituir e materializar. O processo de perda de sustentação e apoio político na opinião pública é progressiva e constante para Bolsonaro, conforme apontam as pesquisas de opinião publicadas na última semana.
Desde sua posse, em janeiro de 2019, com exceção do segundo semestre de 2020, quando as pesquisas de opinião apresentaram uma recuperação em sua aprovação, a constante na avaliação dos entrevistados tem sido de gradual e progressiva rejeição e desaprovação ao desempenho do governo Bolsonaro e ao próprio Bolsonaro. Essas pesquisas de opinião publicadas desde o dia 10 de janeiro coincidem, todas, ao apresentar a queda em sua aprovação.
A queda na aprovação está relacionada ao fato de Bolsonaro ser identificado diretamente como o responsável pelo atraso e insuficiência da vacinação contra a covid-19, o que amplia o sentimento de que é necessário impedir sua continuidade.
Essa situação está tirando a oposição, não somente de esquerda, da defensiva e permitindo que seus partidos e seus movimentos retomem algum grau de mobilização. As encorpadas carreatas acontecidas pelo país, organizadas pela esquerda neste sábado, dia 23 de janeiro, e pela direita no domingo, dia 24, são fortes indicativos de que a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” encontra guarida cada vez maior na população.
Contudo, uma das mais importantes condições, a maioria de dois terços do Parlamento federal, ainda não foi amadurecida. Segundo o levantamento feito por @sosimpeachment, 111 parlamentares se declaram favoráveis ao impeachment contra 58 que declaram ser contrários. O dado relevante é que 343 deputados ainda não se posicionaram. O silêncio desta maioria pode ser interpretado como cautela para aguardar os desdobramentos políticos do quadro assim como o incomum surto de discrição dos ministros do STF, o que revela muito, se não tudo, do perfil ideológico das lideranças parlamentares brasileiras, do modelo institucional de presidencialismo e de que o Centrão e a burguesia ainda estão recalcitrantes quanto ao impeachment.
A consolidação de maioria suficiente para abertura do processo de impeachment parece ser a última das variáveis a se apresentar para seu desfecho. Tal maioria será consolidada na imediata relação que os setores empresariais, desde a grande burguesia financeira global no sentido da pequena burguesia local, concluírem que Bolsonaro é um obstáculo para sua política e interesses.
Isto já havia acontecido nos dois processos de impeachment ocorridos no período pós ditadura de 1964. O impeachment de Collor de Melo e de Dilma Rousseff, contudo, tem somente este aspecto em comum. O Impeachment de Dilma Rousseff deu-se em função de uma operação de uma fração dos setores da burguesia do sistema financeiro global e organicamente relacionada, de forma subordinada, à fração dirigente da burguesia estadunidense.
O impeachment era fundamental para quebrar a dinâmica ascendente da economia brasileira e de suas principais empresas como a Petrobras e as cinco grandes empreiteiras. Os equívocos de estratégia de Dilma e a crise econômica deram as condições políticas para a formação da coalização transnacional golpista.
Já o impeachment de Collor de Melo, deu-se pela sua incapacidade, já no comando do governo, de dar curso ao acordo programático e político que estabeleceu com a burguesia local e com o próprio mercado financeiro. A implosão das reservas de mercado, a velocidade insustentável da desnacionalização da economia e o sequestro da poupança dos brasileiros, entre outros desastres econômicos e políticos, implodiram sua base de apoio, decisivamente, entre a burguesia, independentemente de seu nível de subordinação internacional.
As condições políticas globais dos dois processos não se repetirão agora. Contudo, o possível desfecho do impeachment de Bolsonaro tem algumas semelhanças com o processo que levou ao fim o governo de Collor de Melo. Jair Bolsonaro demonstra uma profunda incapacidade de levar a cabo uma política mais longeva e estável para a burguesia. Até agora, logrou aplicar uma série de medidas de proteção das grandes riquezas e aos lucros, aprofundou a reforma trabalhista, diminuiu o valor dos salários, garantiu a efetividade da Emenda 95 do “teto dos gastos” e liberou a fuga de capitais para o exterior. Políticas de ruptura com a herança desenvolvimentista brasileira que somente um governo neofascista e reacionário poderia levar a cabo por sobre a democracia brasileira. Isto não parece ser suficiente, entretanto.
O problema para Bolsonaro é que as medidas de destruição desse legado desenvolvimentista não são suficientes para garantir as condições para a construção de um novo período de estabilidade econômica para a própria burguesia. Falta uma política econômica, até mesmo nos marcos do neoliberalismo. O fechamento de fábricas em cascata, notadamente os casos Ford e Mercedes-Benz, expressam o desmoronamento do mercado interno brasileiro e sem ele, são muito poucos os setores da burguesia brasileira que conseguirão sobreviver.
Este cenário de desmoronamento econômico não agrada, até mesmo, aos grandes capitalistas globais, os quais consideram que crises e instabilidades políticas ‘são ruins para os negócios”. Os investimentos, em função do conjunto da obra bolsonariana “fugiram” do Brasil e procuram outros mercados em ascensão para depositar seus dólares e captar lucros. Mantida esta dinâmica, muito provável pela política declarada por Bolsonaro, a tendência é muito forte de que este bloco no poder descarte Bolsonaro com fez com Collor. Isso porque outras condições começam a convergir para a tempestade perfeita do impeachment.
A política internacional de relação preferencial com os EUA, estabelecidas pelo governo Bolsonaro, aprofundou essa má gestão econômica, com impactos negativos no desempenho e na estruturação estratégica da economia. Parte muito relevante dos investimentos da gigante China e da União Europeia, antes projetados para o Brasil, tiveram novos destinos, rumando para países mais abertos ao diálogo e às parcerias com eles. As importantes articulações Sul-Sul, como BRICS, UNASUL e ZOPACAS, foram desconstituídas de fato como preço a pagar por uma hipotética e unilateral relação preferencial com o governo Trump, o amiguinho imaginário de Bolsonaro.
Trump teve efetividade, para Bolsonaro, apenas no campo da ideologia, permitindo manter a retórica negacionista, segregacionista e anticomunista na ofensiva. Por isso, a derrota eleitoral de Trump é um grande revés para Bolsonaro, reverberando nas posições que a direita e a burguesia possa vir a tomar na conjuntura política no sentido de abandoná-lo. As primeiras evidências deste abandono já começaram a emergir.
As definições de grupos políticos de direita, como o Movimento Brasil Livre e o Vem para a Rua, em favor da abertura do processo de impeachment são indicativos fortes que o rompimento com setores da burguesia está em curso. Os primeiros a demonstrar que a política geral de Bolsonaro não seria suficiente para manter aglutinado o bloco no poder foram dados por Armínio Fraga e Gustavo Loyola, ex presidentes do Banco Central dos governos Fernando Henrique Cardoso e economistas vinculados ao sistema financeiro, ainda no primeiro semestre de 2020.A burguesia subalterna, vinculada ao comércio e serviços, como a pequena burguesia, ainda mantém apoio ao Bolsonaro, mas efetivamente se a burguesia financeira transnacional, fração dirigente do bloco no poder, que sustentou Temer e sustenta Bolsonaro, vier a se distanciar deste governo e a crise econômica perdurar, estes setores secundários não terão força para manter seu apoio.
Bolsonaro governa sustentado nos setores neofascistas e reacionários dos militares e policiais, classes médias e pequena burguesia, o que não parece reunir força suficiente para mantê-lo, e um tênue acordo com o capital financeiro que será mantido enquanto Bolsonaro puder entregar algo, o que está cada vez mais difícil. Logo a política poderá lhe colocar uma encruzilhada fatal: ou mantém sua base reacionária através da retórica reacionária ou reorienta sua política em direção à grande burguesia financeira e ao centro que lhe serve. Uma equação muito difícil par um presidente inepto.
Neste sentido, o dos interesses do bloco no poder, o tempo e o prazo da deposição de um presidente é um fator determinante. O bloco no poder tende a tomar a ‘decisão’ de depor um presidente a seu serviço quando reunir as garantias de que a sucessão seja feita sem ruptura com sua política econômica e com as relações de poder, ou seja, com sua própria manutenção como bloco no poder. Esta ainda é uma incógnita, Hamilton Mourão – o vice – possui muita similitude com Bolsonaro, baixa cognição, relação superficial com o mercado e com baixa capacidade de gestão. A seu favor, seu fervor anticomunista e sua dependência política. Mas a adesão da elite das Forças Armadas, mais exatamente do Exército, ao bolsonarismo ainda é um entrave para que Mourão faça as promessas que precisaria fazer, para ter o desprendimento que Michel Temer teve para hospedar a conspiração golpista de 2016, o que sequer seu biógrafo oficial conseguiu esconder[1].
Através desta intrincada teia e jogos políticos, onde se entrelaçam grandes e minúsculos interesses ou nos termos de Antonio Gramsci a grande e a pequena política, começam assim a aflorar os primeiros indicativos de que Bolsonaro pode vir a se desmanchar no ar.
[1] TEMER, Michel. Michel Temer a escolha: como um presidente conseguiu superar grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil. São Paulo: Noeses, 2020.
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