AUTOR(A)
Marcos CorbariAUTOR(A)
Marcos Corbari30 de abril de 2021
Marcos Corbari*
Chegamos a 400 mil mortos. Entre estes perdi bons amigos, boas amigas, familiares, inclusive meu pai. Fico pensando se ainda há alguém que não recebeu em uma das faces o sussurro frio da pandemia e na outra o hálito podre do genocida. Nossas perdas não são números… São pessoas, são sonhos, são amores, são histórias que foram e seguem sendo interrompidas bruscamente.
Eu sei e você sabe que muitas pessoas inevitavelmente perderiam a vida por conta da pandemia, e sobre elas não recairia nenhum direito de escolha. Mas se a gestão da crise não tivesse sido irresponsável desde o princípio, se a ciência tivesse sido colocada à frente do mais tosco fanatismo, talvez esses números não tivessem chegado aos seis dígitos. Ainda seria muito, ainda seria demais para cada filho, irmão, marido, esposa, pai ou mãe que perdeu seus queridos e queridas. Mas é muito mais difícil compreender que a morte foi, sim, uma escolha política e cada dia está mais claro, exceto para quem deliberadamente prefere não ver. E quem escolhe não ver, assume o ônus da cumplicidade. Sim, a palavra é “genocídio”. Cada morte está sendo sentida, cada perda está sendo chorada e de um modo ou outro será cobrada no tempo certo.
Você não teve uma ferida aberta ainda? Deixa te falar sobre isso: a dor por vezes parece passar, diminuir. Mas ela volta. Na casa ficam espaços abertos que não vão ser preenchidos ou compensados. A metáfora da cadeira vazia não é suficiente para explicar. É como se arrancasse um pedaço de carne de ti. A dor insiste, ela volta de repente. Ela te faz chorar. A revolta só cresce. Quantos dias faltaram para quem você perdeu receber a vacina? (para o meu faltaram três). Quantas horas até se abrir uma vaga na CTI? Quantos quilômetros para chegar até o hospital mais próximo? Se esse asqueroso que talvez você (sim, você, o cúmplice) ajudou a eleger tivesse feito a encomenda da vacina no tempo certo ao invés de zurrar bobagens aos quatro cantos, se tivesse agido como um estadista ao invés de portar-se como um moleque fomentando a ignorância como arma de extermínio em massa, talvez a não estivéssemos vivendo uma realidade onde a capacidade destrutiva do vírus foi multiplicada por quatro.
O que representa para ti as 400 mil mortes? Para mim representa muito, pela dor que passou a me acompanhar e pela capacidade de empatia que meu saudoso pai me ensinou a exercitar ao ver refletida em mim a dor do outro, da outra e tantos outros e outras que é cada vez mais difícil contar. São 400 mil nomes e sobrenomes. Não são números. São pessoas, são sonhos, são amores, são histórias que foram e seguem sendo interrompidas bruscamente. São vozes silenciadas que seguem clamando por justiça. E essa justiça vai chegar, de um jeito ou de outro, aqui ou lá do outro lado, para ele, o genocida, e para cada um de seus cúmplices também.
(*) Jornalista, integrante do ocletivo de Comunicação do MPA.
Colaborador do Brasil de Fato-RS, Rede Soberania e ICPJ.
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