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Comunicação MPA5 de maio de 2017
Não bastasse a reforma trabalhista que extingue direitos sociais importantes dos trabalhadores brasileiros, agora uma nova ameaça do poder legislativo coloca em risco os camponeses, podendo legalizar o trabalho análogo ao escravo no meio rural.
O Projeto de Lei de nº 6.442/2016, apresentado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), membro da Frente Parlamentar de Agropecuária (conhecida como a bancada ruralista), quer modificar a regulação do trabalho rural em prol dos interesses do patronato do campo brasileiro.
A proposta corrobora a sofrível reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada e vai além:
1) permite a remuneração em “qualquer espécie”, podendo haver trabalho em troca de alimentação, moradia, vestuário, sem que o empregado receba qualquer valor em dinheiro;
2) aumenta a jornada de trabalho em até 12 horas em razão de “força maior, causas acidentais ou serviços inadiáveis”;
3) possibilita o trabalho ininterrupto sem descanso semanal por até 18 dias seguidos aos trabalhadores que moram em outra cidade do trabalho;
4) legaliza a venda integral das férias se o trabalhador morar no mesmo lugar de trabalho;
5) permite o desconto do salário do trabalhador se o patrão fornecer moradia e alimentação;
6) cria mecanismos que reduzem a segurança dos trabalhadores na aplicação de agrotóxicos; entre outros retrocessos.
Os motivos alegados pelo deputado são aqueles que conhecemos bem: modernizar as relações de trabalho no campo e diminuir o desemprego. Um discurso bonito que esconde a verdadeira intenção: elevar os lucros do agronegócio, explorando cada vez mais os trabalhadores rurais.
Se vínhamos num contexto de maior investimento do Estado no agronegócio brasileiro já no período neodesenvolvimentista de Lula e Dilma, com o processo de impeachment as relações dos latifundiários se estreitam ainda mais no governo Temer. Foram aprovadas medidas que reforçam a posição do Brasil como exportador de commodities e reprimarizam cada vez mais a economia nacional. Isto é, abdica-se completamente do remodelamento da questão agrária no Brasil, o que perpassa pela negação da realização da reforma agrária, pelo fim das poucas políticas públicas de fomento à agricultura familiar e à produção agroecológica e pela desvalorização do trabalhador rural.
A proposta de alteração da legislação do trabalho no campo, em verdade, evidencia a escolha da rearticulação do capital financeiro internacional com o latifúndio monocultor brasileiro. Ou seja, fomenta um modelo que assenta o Brasil e seu papel bem definido na divisão internacional do trabalho: como produtor de grãos para exportação que importa o pacote tecnológico de insumos, fertilizantes, agrotóxicos, sementes transgênicas e maquinário agrícola das empresas transnacionais.
Esse modelo reforça a expulsão dos trabalhadores rurais do campo, assimilando um cenário rural completamente mecanizado e explorador de forma desenfreada. Tanto é que a burguesia latifundiária é pragmática e sequer propõe o mínimo projeto de desenvolvimento nacional, o que se comprova na escolha da superexploração com rebaixamento absoluto ou na supressão em espécie do salário do trabalhador rural, evidenciando o caráter exclusivo destes como produtores e não como consumidores. Em outros termos, não se fortalece o mercado interno nacional ou a soberania alimentar do país, apenas a cadeia produtiva para exportação de commodities.
A superexploração é evidente também quando sequer pensa-se no esgotamento prematuro da força de trabalho rural. Suga-se ao máximo sua saúde, aumentando a jornada de trabalho, diminuindo férias, suprimindo o descanso semanal e desconsiderando a importância do intervalo para alimentação, já que a substituição da mão de obra é fácil, desvalorizada e abundante em tempos de crise e desemprego.
Isso se dá também na absoluta desconsideração da exposição aos riscos dos agrotóxicos, que envenenam os agricultores e consumidores e flexibilizam condições mínimas para exercício do trabalho rural, como equipamentos básicos de proteção individual e ambientes minimamente adequados para alimentação, vestuário e banheiro, que passam a ser desobrigados para os locais com menos de 20 trabalhadores.
Em suma, o projeto de lei avança sobre direitos básicos relacionados à saúde física e mental, como descanso e férias. E acaba com a livre disposição do salário, não garantindo condições materiais mínimas de sobrevivência aos empregados no campo. Nada mais é do que o escancaramento brutal da ampliação da condição dependente do capitalismo brasileiro que superexplora trabalhadores de forma violenta, em especial os trabalhadores e trabalhadoras rurais, chegando ao ápice de mesclar formas jurídicas do escravismo agrário colonial com o modelo altamente tecnificado da produção do agronegócio.
E o contexto não é isolado, vem junto com a reforma da previdência ainda pior aos trabalhadores rurais. Há uma crescente criminalização das lideranças dos movimentos sociais do campo, com matanças e membros decepados daqueles que lutam por reforma agrária ou pela titulação de seus territórios. Avança também a legalização do desmatamento e da financeirização da natureza e da biodiversidade brasileira, pelo desmonte de políticas públicas à agricultura familiar e à agroecologia – como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA).
Tempos difíceis na cidade, ainda mais sombrios do campo brasileiro. O agronegócio (que é pop, tech e tudo para a mídia comercial) mata, explora e escraviza. Denunciar está na ordem do dia. Resistir e anunciar também.
Por Naiara Bittencourt
*Naiara Bittencourt é advogada popular, mestra em direitos humanos e democracia pela UFPR.
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