AUTOR(A)
Josineide CostaAUTOR(A)
Josineide Costa15 de novembro de 2021
Josineide Costa*
Em crise, a religião brasileira, a Umbanda, mantém poder cultural de inclusão
A Umbanda, a religião brasileira, por antonomásia, mestiça de índio, negro e europeu, prosopopeia consumada de nossa miscigenação constitutiva que os cientistas sociais consideraram como forma religiosa plenamente ajustada, posto que sincrética à realidade brasileira, mesmo a mais urbana e modernizada, é um fenômeno que dá o que pensar.
A primeira manifestação da umbanda sem vínculos com o kardecismo ou com o candomblé, ocorreu em São Gonçalo, no Rio, em 15 de novembro de 1908. Nesse dia, na Tenda Nossa Senhora da Piedade, o médium Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, recebeu o Caboclo Sete Encruzilhadas. Estava fundada a religião e o primeiro terreiro de umbanda, oficialmente reconhecidos dali em diante. Religião recente desenvolveu-se nos anos de 1920, quando kardecistas de classe média, atraídos pelos espíritos de caboclos e pretos velhos, que se incorporavam nos terreiros de macumba, cariocas, assumiram a liderança. Imediatamente extirparam dos cultos os rituais mais “primitivos”, capazes de mexer com os pruridos da classe média. Moralizaram os “guias”, educando-os nos princípios da caridade cristã com leitura kardecista, racionalizaram as crenças e organizaram as primeiras federações que associaram terreiros até então fragmentados.
Já nas décadas de 1930 e 1940 começava a se disseminar pelo tecido urbano mais moderno do país, das cidades grandes da região mais desenvolvida, o Sudeste, a perspectiva da construção de uma identidade nacional que sempre esteve na mão da intelectualidade. Pelo menos desde a República, o que logo favoreceu toda uma boa vontade com a Umbanda.
Em 1941 chegaram a realizar o Primeiro Congresso Nacional de Umbanda, para afastar de vez o estigma da “macumba”. Nos anos 1960, os esforços foram recompensados e a religião foi reconhecida oficialmente no censo nacional. Festivais de Umbanda, começaram a ser incluídos nos calendários oficiais e nos anos 1970, era a fé de maior crescimento com uma população estimada em 20 milhões de fiéis. O refluxo iniciou-se na década de 1980 e não parou mais, em sintonia com o crescimento das seitas pentecostais. Essas se desenvolveram na esteira da crise metropolitana das últimas décadas, ocupando o espaço dos terreiros nas periferias.
Os valores de um sagrado corrompido apenas refletiriam os dilaceramentos da sociedade inclusiva. Nem tudo o que é mágico se dissolve no ar. A história cultural brasileira pode ser aprendida e apreendida não apenas em livros de história, mas também em terreiros de umbanda. A Umbanda reinterpreta os valores, as visões históricas e os acontecimentos nacionais, dialogando com a realidade. As classes de pertença de seus espíritos, refletem também grupos que geralmente sofrem ou sofreram exclusão social, uma marca de resistência e preservação de um modo de dialogar com a realidade social de forma a articular, pelos rituais, a inclusão social. Portadoras de vozes ancestrais inconscientes, essas memórias, uma vez resgatadas, podem distribuir benefícios psíquicos e simbólicos aos seus herdeiros, constituídos por personagens que assinalam a necessidade no passado (memória coletiva), bem como, em muitos casos, ainda no presente, de atenção e de inclusão, visão bastante distante da “teologia da prosperidade” e não como nos acusam algumas igrejas, que veem na Umbanda uma rival a ser dizimada, como a religião do diabo e do mal. Ela oferece uma ocasião ímpar para aprender com os setores populares a relativizar o psicologismo e o individualismo, consagra o humano, pondo no seu panteão a totalidade de suas sutilezas, agradáveis ou não, um testemunho de uma ética singular, de vocação universal que propõe um sentido de inclusão psicológica e social, politicamente indócil às tentativas históricas e teóricas de manipulação.
A Umbanda, ao fazer seus adeptos lidarem com lados mais obscuros, reforça sua força libertária de ensinar o funcionamento dos aspectos sociais e coletivos menos exibíveis e, por isso, mais verdadeiros. A ‘esquerda’ umbandista não é o mal metafísico, mas o pessoal e socialmente ‘mal dito’: a sensualidade, a revolta, a crítica mordaz, as falas inconvenientes, a hipocrisia e o prazer sem mordaças. “É a guardiã de um bem precioso: a liberdade, encarnando um sentido social de resistência e vitalidade”, explica. Nesse contexto, os Exus não são maus, embora possam ser (mal) vistos. A resposta ao mal como expropriação de si em prol de um bem do outro.
A palavra umbanda tem origem no idioma bantu e tem dois significados: “lugar de culto” e “sacerdote”. Para os povos de terreiro, a Umbanda significa a força maior da natureza, representada pela energia dos Orixás, assim também como a força das entidades de luz. Representa paz, amor, cuidado, proteção e respeito pelo sagrado, e por as pessoas que aqui vivem. Fazemos a caridade, o elemento maior de reconstrução das pessoas que necessitam.
Quinze de novembro de 2021, a Umbanda completa 113 anos de existência. Que possamos ter a liberdade de cultuar a nossa religião, sem os preconceitos e a intolerância religiosa, que nos executa nesta sociedade capitalista.
A Umbanda é paz e amor, é o mundo cheio de luz, é a força que nós da vida, e a bandeira nos conduz, avante filho de fé, como a nossa lei não há, levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá.
Referência: https://revistapesquisa.fapesp.br/a-forca-social-da-umbanda/
Josineide Costa; Assistente Social, Pós-Graduada em Saúde da Família.
Filha de Santo Mãe Bethe de Iansã, do Terreiro Sol do Oriente em Aguas linda de Goiás.
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