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Comunicação MPA18 de novembro de 2016
Para o Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA, o Plano Camponês, representa uma acumulação permanente da história de vida e luta do campesinato brasileiro, que se converte em um horizonte onde o campesinato possa se desenvolver em sua plena capacidade cumprindo com sua função histórica na produção de alimentos para a sociedade, na preservação do meio ambiente e no aporte estratégico de um projeto popular para o país. Em artigo o dirigente do Movimento Valter Israel da Silva ressalta a relação fundamental entre o campo e a cidade para a consolidação deste plano.
Confira o artigo na integra.
Valter Israel da Silva*
“O processo de formação do campesinato remonta à gênese da história da humanidade. Esta leitura histórica é importante para a compreensão da lógica da persistência do campesinato nos diferentes tipos de sociedades. A existência do campesinato nas sociedades escravocratas, feudal, capitalista e socialista é um referencial para entendermos o sentido de sua perseverança.”(CARVALHO 2005, pag 23).
A luta do Movimento dos Pequenos Agricultores e a luta camponesa de modo mais amplo acumularam vitórias importantes no último período, uma destas vitórias é o resgate do conceito de Camponês e de Campesinato. Estes conceitos haviam sido esquecidos, ocultados, proibidos, pois durante o período militar no Brasil o principal movimento camponês da época, as Ligas Camponesas, foi perseguido, suas principais lideranças foram desaparecidas, presas, exiladas, torturadas e/ou mortas. Com isso passou a se utilizar identidades locais para definir o campesinato brasileiro, mas isso trouxe como consequência política o fracionamento de classe, como nos demonstra Carvalho:
“A diversidade camponesa, no Brasil, inclui desde os camponeses proprietários privados de terras aos posseiros de terras públicas e privadas, os camponeses que usufruem dos recursos naturais como os povos das florestas, os agro extrativistas, a recursagem, os ribeirinhos, os pescadores artesanais lavradores, os catadores de caranguejos e lavradores, os castanheiros, as quebradeiras de coco babaçu, os açaizeiros, os que usufruem dos fundos de pasto, os povos de faxinais, … “(CARVALHO 2005).
Com o resgate destes conceitos, retomamos o camponês como sujeito histórico e passamos a elaborar um projeto estratégico a partir do Campo para à sociedade, o Plano Camponês. O Plano Camponês é um projeto estratégico do campesinato brasileiro, a partir do campo para a sociedade como um todo, tem a ver com identidade camponesa, agroecologia, com sementes crioulas, com biodiversidade, com hábitos e costumes, com cultura camponesa, com o modo de vida, com produção de alimentos, com alimentação do povo do campo e da cidade, portanto, têm como elemento chave a relação campo e cidade.
O Plano Camponês surgiu como um desafio para embasar a nossa pauta de reivindicações. Não concordávamos com as políticas do Governo para o campo, mas não tínhamos argumentação suficiente para defender nossa posição. Assim, reunimos um grupo de professores, pesquisadores para nos ajudar a embasar a nossa pauta; Neste processo, percebemos que havia uma questão de fundo para ser resolvida, a concepção de produção e vida no campo que defendemos;
O Plano camponês está em contradição com o Agronegócio, representado pelo capital financeiro, pelas multinacionais e latifundiários, apoiados pelo Estado Brasileiro. O Agronegócio é o projeto da burguesia no Campo. Ele é o nosso inimigo central. Ele é que nos explora nos preços, ele é que nos rouba as terras, ele é que nos impõe os pacotes tecnológicos, suga os recursos do Estado, destrói a biodiversidade, contamina o meio ambiente e tem o foco na produção de commodities, por isso não alimenta o povo.
A ideologia do Agronegócio chega às pequenas propriedades através do conceito de Agricultura Familiar. Este conceito foi desenvolvido com base na experiência europeia e estadunidense de agricultura, onde as famílias se especializam em um ramo da produção e se vinculam à industria, intensificam o processo produtivo através do crédito, do uso de tecnologia de ponta, etc. Este processo tem levado ao esgotamento do sistema, pois em um processo competitivo as famílias precisam intensificar mais e mais, até que chega a um limite do uso da terra e um limite de endividamento. Isso tem levado muitas famílias a um processo de desintensificação produtiva. No Brasil temos a Lei n° 11.326, de 24 de Julho de 2016, a chamada Lei da Agricultura Familiar, que estabelece:
“Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.” (Lei 11.326 de 24 de Julho de 2006)
O conceito de Agricultura Familiar, bem como a lei da Agricultura Familiar estabelecem um recorte econômico, ignorando aspectos culturais, entre outros. Por isso dizemos que este conceito transforma o que para nós é um “Modo de Vida”, em uma profissão. O modo de ser, de viver e de produzir do camponês, na profissão de produtor rural do agricultor familiar.
“Esse processo de transformação do sujeito camponês em sujeito agricultor familiar sugere também uma mudança ideológica. O camponês metamorfoseado em agricultor familiar perde a sua história de resistência, fruto de sua pertinácia, e se torna um sujeito conformado com o processo de transformação que passa a ser um processo natural do capitalismo.” ( CARVALHO, 2005, pag. 25).
“Assim, a família camponesa passa a ser mera compradora de insumos e fornecedora de matéria prima. A indústria passa a ganhar ao fornecer estes insumos e ao processar a matéria prima, agregando valor e colocando no mercado. Todos os riscos do processo de produção ficam por conta da família camponesa e as principais possibilidades de lucro ficam nas mãos das indústrias. “ (SILVA 2014, pag. 44).
Por outro lado, a Agricultura Camponesa é aquela construída a partir de uma base de recursos sob controle camponês, a que Ploeg** chama de “Capital Ecológico”, têm uma forte relação com a natureza, “co-produção”, vive um processo intenso de luta por autonomia produtiva através da busca incessante por autonomia relativa em insumos e pelo controle tecnológico, tem foco nas necessidades da família, buscando melhoria nas condições de vida e de trabalho.
O Programa Camponês foi uma conquista da luta popular e teve sua primeira experiência no Rio Grande do Sul. É uma plataforma de políticas públicas para a produção e o abastecimento popular, construída através de uma aliança de classe no campo (Via Campesina) e na cidade, sobretudo com a Federação dos Metalúrgicos, Movimento dos Trabalhadores por Direitos e Levante Popular da Juventude. Esta aliança camponesa e operária, campo-cidade, foi determinante para a constituição deste programa. Está alicerçado em três eixos fundamentais: 1) fomento a produção de alimentos e a transição agroecológica, 2) apoia a logística para o beneficiamento e comercialização de alimentos, e 3) articulação direta entre a produção e o consumo mediado pelas organizações sociais do campo e da cidade.
O Programa Camponês é parte do Plano Camponês na medida em que acumula para a construção deste projeto estratégico, mas é um programa que se apoia nas contradições do agronegócio, das brechas do estado e na força da luta da classe operária e camponesa para de imediato avançar em políticas possíveis para o fortalecimento do campesinato e do povo organizado de forma geral, o programa camponês assim acumula para o Plano Camponês.
Portanto, Plano e Programa Camponês não são a mesma coisa, o Plano Camponês é o projeto estratégico geral e o programa camponês é um programa tático possível e viável em uma conjuntura favorável.
A experiência da luta no Rio Grande do Sul para a conquista do Programa Camponês, nos demonstrou que a luta camponesa ganha força quando se torna uma luta comum e é assumida também pelos trabalhadores urbanos.
O sistema agro alimentar da sociedade capitalista estabelece duras condições de produção para as famílias camponesas, com baixa remuneração, através da integração à industria, do fornecimento de insumos e da compra da matéria prima a baixos preços, retirando a renda da terra das mãos dos camponeses e por outro lado, incentivando a produção através do modelo tecnológico com base em monocultivos, uso de adubos químicos e agrotóxicos, fazendo chegar nas mãos dos consumidores (trabalhadores urbanos) um alimento de baixa qualidade nutricional, contaminado com agrotóxicos e muitas vezes superprocessados, sendo causa de obesidade ou má nutrição e são conduzidos a um padrão alimentar pensado em função do lucro das empresas.
Diante deste quadro na questão dos alimentos, o Movimento dos Pequenos Agricultores propõem a “Aliança Camponesa e Operária por Soberania Alimentar”, que foi lema do seu Congresso Nacional realizado em outubro de 2015 em São Bernardo do Campo – SP, palco da luta operária brasileira no processo de redemocratização, na semana da alimentação. Criando uma simbologia importante para esta aliança, através dos três elementos: semana da alimentação, movimento camponês, berço da luta operária. Ali no Congresso do MPA se desenrolou o momento político de afirmação de um processo que vem sendo construído nos últimos anos de aliança entre organizações camponesas com organizações urbanas, tendo o alimento como mediador.
Os camponeses querem produzir alimentos saudáveis para alimentar o povo, os trabalhadores urbanos querem ter acesso a este alimento saudável a preços justos. Para tanto é preciso construir uma aliança de classe, capaz de recriar um sistema de abastecimento popular de alimentos, aproximando quem efetivamente produz para a alimentação da classe que vive do trabalho mas não produz o alimento, retirando o atravessador desta relação. Para tanto é preciso desenvolver a organização camponesa e urbana, pensar a logística, etc.
Portanto, o trabalhador urbano precisa sair da condição cômoda de consumidor, para ser sujeito no sistema agro alimentar. Isso o coloca a necessidade de se organizar como consumidor, em grupos informais, em cooperativas, etc. Os camponeses precisam organizar a produção, a agroindustrialização e o transporte dos alimentos, mas a distribuição nas cidades deve ser tarefa dos trabalhadores urbanos organizados. Esta organização urbana e camponesa, articulada como classe trabalhadora entorno da questão alimentar, deve estar envolta de mística e de concepção de luta de classe, pois este processo só avançara em um contexto de enfrentamento ao sistema agro alimentar controlado por grandes empresas multinacionais, como nos demonstra o MPA:
“Mas além de ter se tornado mercadoria, está concentrado: 80% da distribuição de cereais (sobretudo soja, milho, trigo e arroz) estão em mãos de quatro multinacionais. … Essa concentração permite uma pesada ingerência sobre as políticas nacionais e internacionais, moldando à sua conveniência as regulações e os modelos de produção, distribuição e consumo que se aplicam nos países.” (MPA2013, pag 11).
Diante do exposto, o acesso a uma alimentação saudável para a imensa maioria da população, bem como a implementação do Plano Camponês só serão possíveis através da aliança entre camponeses e trabalhadores urbanos organizados e em luta. A aliança camponesa e operária é o pilar fundamental para a soberania alimentar.
*Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA – Brasil
**Jan Douwe Van Der Ploeg – Palestra durante Seminário Dinâmicas e Perspectivas do Campesinato no Brasil do Século XXI, Contradições sociais do campo: O campesinato como classe social? Realizado em Brasília, janeiro de 2013.
CARVALHO, Horácio Martins de. O Campesinato no Século XXI Possibilidades e Condicionantes para o seu desenvolvimento no Brasil. Editora Vozes, 2005.
MPA, Plano Camponês: construindo o novo caminho da roça IV,Plano Nacional de ações para a Soberania Alimentar desde uma perspectiva de gênero, MPA, 2013.
SILVA, Valter Israel da, Classe Camponesa, Modo de ser de viver e de produzir, Instituto Cultural Padre Josimo, 2014.
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